A Resolução CONAMA nº510
- FFA Legal

- 6 de out.
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A Resolução CONAMA nº 510, de 15 de setembro de 2025, publicada no Diário Oficial da União em 16/09/2025, que trata do procedimento para a emissão de autorização de supressão vegetal (ASV) em imóveis rurais, pretende ser um marco regulatório de padronização e transparência no processo de emissão das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs). No entanto, ao mesmo tempo em que avança em modernização normativa, a Resolução impõe uma série de condicionantes e pré-condições que podem representar entraves práticos e inseguranças jurídicas, com potencial de desencadear diversas judicializações.
De acordo com a Resolução, as pré-condições para emissão da ASV: (i) CAR ativo; (ii) inexistência de pendências por falta de resposta a notificações do órgão ambiental; (iii) indicação da localização da Reserva Legal pelo órgão competente; (iv) confirmação, no CAR, do enquadramento das áreas rurais consolidadas, quando couber; e (v) análise do CAR pelo órgão ambiental competente, conforme critérios aplicáveis, inclusive legislação específica do bioma.
Essas pré-condições assumem um caráter fortemente discricionário e subjetivo na sua aplicação prática. O item (ii), por exemplo, abre margem para uma sucessão de notificações administrativas que podem, indefinidamente, postergar a análise e comprometer a previsibilidade do processo. Já o item (iii), ao exigir a “indicação da localização da Reserva Legal”, não explicita se tal indicação precisa ser definitiva ou meramente provisória, criando espaço para interpretações divergentes que podem gerar insegurança, judicialização e atrasos no aceite ou homologação dessa indicação pelo órgão ambiental. O mesmo se aplica à análise formal prevista no item (v), que, embora necessária em termos técnicos, depende da capacidade operacional dos órgãos ambientais, sabidamente sobrecarregados, e cuja morosidade tende a transformar a exigência em um obstáculo sistêmico. Assim, aquilo que deveria servir como instrumento de segurança e clareza jurídica converte-se em uma engrenagem burocrática, sujeita a subjetividades e a decisões desiguais entre estados e biomas, comprometendo a previsibilidade e a confiança legítima dos empreendedores. Em resumo, traz maior complexidade e discricionariedade ao processo.
Cumpre recordar que a inscrição no CAR e a instituição da Reserva Legal são obrigações legais atribuídas ao proprietário ou possuidor rural, nos termos do Código Florestal. Ocorre que, ao serem estabelecidas como pré-condições para a emissão da ASV, cria-se um cenário em que o empreendedor, embora não seja o responsável legal por tais encargos, vê-se compelido a assumi-los, sob pena de não obter a autorização necessária. Não se trata de uma imposição direta da Administração, mas de uma exigência que traz para o empreendedor incumbência da regularização do CAR, que não lhe cabe, uma vez que seu objetivo é simplesmente a ASV, algo até então distinto e dissociado do CAR.
Essa prática, embora pragmática, gera um campo fértil de insegurança jurídica. Afinal, o empreendedor passa a suportar obrigações que a lei atribui expressamente ao proprietário ou possuidor rural. No caso da mineração, em que os projetos já estão sujeitos a custos elevados e prazos exíguos, essa transferência de responsabilidades representa não apenas um ônus econômico adicional, mas também um risco jurídico, considerando, ainda, que a regularização dependeria agora da boa-fé e da colaboração de um terceiro.
Embora a Resolução CONAMA nº 510/2025 fixe o prazo de 90 dias para análise do CAR, tal previsão não garante a efetiva emissão da ASV. O pedido pode ser indeferido ou, em caráter excepcional, deferido mediante justificativa técnica acompanhada de manifestação de profissional habilitado que ateste o cumprimento das Áreas de Preservação Permanente e dos percentuais mínimos de Reserva Legal.
Outra fragilidade é o prazo de validade das ASVs, limitado a 12 meses, prorrogáveis uma única vez e, em alguns casos, atrelado rigidamente ao prazo da licença ambiental. Essa limitação, que à primeira vista busca disciplinar o uso do ato autorizativo, pode, na prática, se descompassar com a dinâmica de grandes empreendimentos de infraestrutura, mineração ou energia, que frequentemente enfrentam atrasos por razões alheias ao controle do empreendedor. O resultado é previsível: uma corrida por sucessivas renovações, gerando insegurança, risco de paralisações e atrasos no cronograma.
Não menos preocupante é a possibilidade de delegação da competência a municípios e consórcios públicos. Embora a descentralização possa fortalecer o controle local, o texto exige a “comprovação da capacidade técnica” do ente emissor, conceito vago que pode ser interpretado de forma subjetiva. Muitos municípios brasileiros não dispõem de equipes multidisciplinares, sistemas de geoprocessamento ou estrutura mínima sequer para fiscalizar autorizações, além do sabido risco político que traz ao empreendedor agora obrigado a "negociar" com o executivo local. Essa fragilidade institucional também pode resultar em autorizações frágeis e factíveis de serem questionadas judicialmente e anuladas por vício de competência, ampliando o risco jurídico de empreendedores que agirem de boa-fé. Há que se considerar ainda que a delegação municipal para a emissão de ASV está condicionada para as áreas localizadas em perímetro urbano ou em expansão urbana consolidada, o que restringe ainda mais a aplicabilidade da medida.
Outro ponto sensível é a vedação da emissão da ASV em três situações específicas: (i) quando se tratar de áreas vinculadas a títulos de Cota de Reserva Ambiental; (ii) quando o imóvel rural estiver com sua inscrição no CAR suspensa ou cancelada; e (iii) quando o cadastro do imóvel no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) não se encontrar ativo. Essas vedações funcionam como condicionantes absolutas, que impedem qualquer avanço no processo de licenciamento ou autorização, independentemente da boa-fé ou da urgência do empreendimento, revelando o caráter restritivo e de bloqueio imediato previsto pela norma.
O componente tecnológico também traz potenciais gargalos. A exigência de integração automática com o Sinaflor (art. 8º) é, em teoria, um avanço, mas falhas de sincronização entre sistemas estaduais e federal, comuns na prática, podem comprometer a validade das ASVs. A previsão de solução manual em caso de falhas não resolve o problema central: cria-se um cenário em que a tecnologia, em vez de instrumento de agilidade, se transforma em obstáculo.
Por fim, a cláusula aberta do art. 11, que autoriza os órgãos ambientais a estabelecerem critérios adicionais e medidas compensatórias, confere ampla margem de discricionariedade. Essa elasticidade regulatória, se por um lado oferece flexibilidade para ajustes locais, por outro mina a previsibilidade necessária aos investimentos, criando um campo fértil para exigências desiguais, questionáveis e potencialmente desconectadas da realidade do empreendimento.
Em suma, a Resolução nº 510/2025 traz avanços formais inegáveis, mas também um caráter subjetivo que pode refletir em fragilidades jurídicas, e abrir brecha para obstáculos, mais que solucionar um problema reconhecido que são obtenções de ASVs. O que deveria ser um instrumento de clareza e segurança pode se tornar, se não houver alinhamento institucional e técnico entre União, estados e municípios, uma nova camada de incerteza. A promessa de padronização pode ser fragmentada e dificultada, e o ideal de transparência em sobrecarga judicial. A norma nasce sob o signo da modernidade, mas só o tempo revelará se será lembrada como vetor de segurança ou como novo foco de insegurança e mais uma regra burocrática e impeditiva no licenciamento ambiental brasileiro.
Publicada em 16/09/2025, com entrada em vigor em 180 dias.





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