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Os riscos das decisões trabalhistas diante da COVID-19



A pandemia causada pelo novo coronavírus, além de fixar um novo marco na história mundial, vem gerando profundos impactos no mundo jurídico, tornando imperativo aos operadores do direito o seu criterioso acompanhamento e, sobretudo, a avaliação de suas implicações nas diferentes esferas do direito, sob pena de obsolescência e fracasso na aplicação do ordenamento jurídico vigente. Este artigo tem como objetivo apresentar as tendências já observadas na Justiça do Trabalho, com base na análise das decisões proferidas em primeira instância, que vêm contribuindo significativamente para a transformação das relações empregatícias no país, representando, assim, mais um grande risco à sobrevivência das empresas.

Mesmo com a suspensão das atividades presenciais, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça através da Resolução no 313/2020, em observação às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e às medidas de enfrentamento ao COVID-19, dispostas pela Lei 13.979/2020, o Poder Judiciário Nacional permanece atuante, assegurando o funcionamento dos serviços e o acesso à justiça, principalmente para os assuntos emergenciais.

Nesse contexto, já é possível acompanhar relevantes decisões, que demonstram a tendência interpretativa dos juízes em relação à aplicação da legislação trabalhista em situações de força maior ou caso fortuito, como as atualmente presenciadas diante da pandemia provocada pelo novo coronavírus, principalmente em relação a dispositivos até então não aplicados na prática, como o art. 502, II da CLT.

No estado de Santa Catarina, por exemplo, em ação trabalhista ajuizada em 26/03/2020 pelo Sindicato representante da categoria dos trabalhadores das indústrias da construção e do mobiliário do município de Joaçaba, em face de uma Construtora, onde reclamante requereu, em caráter liminar, a reintegração dos empregados desligados pela empresa com base no dispositivo supramencionado, bem como o impedimento de novas demissões. Afirmou o demandante que a empresa reclamada, fundamentando também tais desligamentos em Decretos regionais que contemplariam medidas de prevenção e combate ao coronavírus, estaria efetuando o pagamento de apenas 50% das verbas rescisórias dos empregados já desligados.

O juízo da Vara do Trabalho de Joaçaba deferiu a liminar requerida pelo sindicato, determinando a imediata reintegração dos trabalhadores dispensados e que a ré se abstivesse de realizar novas demissões durante a pandemia da COVID-19, sob pena de multa de R$ 1.000.000,00.

Sustentando que a despedida seria passível de questionamento, por não ter sido precedida de negociação coletiva, afirmou o magistrado que a pandemia atual apelaria para aspectos como a solidariedade e responsabilidade social, e não para o abandono, e indicou como precipitada a conduta do empregador ao romper contratos de trabalho, inclusive, por desprezar outras alternativas viáveis, como as dispostas nas Medidas Provisórias editadas pelo governo federal com o objetivo central de preservar o trabalho e a renda, sem o cuidado de avaliar o contexto operacional do empregador.

Em outra ação trabalhista em trâmite na Comarca de Boa Vista (RR), proposta por uma advogada em face da Companhia Energética do Estado, foi proferida decisão favorável à reintegração da Reclamante, que nos mesmos autos pleiteou indenização por danos morais. A autora afirmou ter sua exoneração ocorrido após assédio moral e, principalmente, em meio à pandemia, o que reduziria drasticamente suas chances de recolocação no mercado de trabalho.

Na decisão que deferiu a tutela provisória de urgência alegou o juízo estar a questão dos autos afeta à preservação do direito ao trabalho no grave cenário de crise mundial gerado pela pandemia, razão pela qual o valor “trabalho” representaria o meio de garantia da dignidade humana e da subsistência da reclamante.

Reconhecendo, mas desfavorecendo o direito da empresa reclamada frente a outros direitos desta que também estariam presentes no caso em destaque, como o direito subjetivo ao trabalho e a dignidade humana, fundamentou o magistrado a sua decisão:

“Assim, conforme o que é possível discernir em sede de cognição sumária, a reclamante não poderia mesmo ser desligada em um contexto global tão delicado. E dada a prudência e a ponderação dos valores em jogo (o pretenso direito potestativo de dispensa versus garantia da proteção no meio ambiente de trabalho contra a discriminação, e subsistência em momento de caos mundial decorrente da pandemia – COVID-19), impõe mesmo sua reintegração de forma liminar.”

Pode-se concluir que, especificamente em relação ao primeiro julgado, o deferimento da liminar tomou como parâmetro condições consideradas como relevantes e que não teriam sido observados pela empresa ré antes da confirmação das demissões, tais como : negociações com o sindicato dos trabalhadores; e/ ou a adoção de alternativas como as apresentadas pelas Medidas Provisórias editadas pelo governo federal.

Na segunda decisão, entretanto, o argumento principal a fundamentar a concessão da medida cautelar baseou-se, exclusivamente, em aspectos de cunho social: não ser possível a demissão da autora em um contexto global tão complexo; presença de forte indício de dispensa fomentada por assédio moral organizacional, e destacou o juiz se tratar o debate de tema alinhado ao plano de direitos e garantias fundamentais.

Cumpre ressaltar que, embora a decisão supramencionada tenha sido mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 11ª região no julgamento de Mandado de Segurança impetrado pela empresa ré, ambas ações trabalhistas citadas permanecem em trâmite em suas instâncias de origem, sendo, portanto, ainda cabíveis recursos antes do trânsito em julgado.

É importante ressaltar que nesse cenário de grande crise global, as maiores economias do mundo parecem unânimes no entendimento preocupante de que, mesmo controlados os impactos imediatos provocados pelo COVID-19 sobre a população e a renda, uma grande recessão a nível global será inevitável e deverá perdurar, pelo menos, até o final de 2021.

Tal projeção reforça ainda mais a necessidade de se manter o pleno funcionamento das instituições e da atividade empresarial, sem as quais resta plenamente comprometida a manutenção do equilíbrio econômico e social do país.

E diante de tais perspectivas, quando as organizações, em especial as minerações, forem envolvidas, temos de deixar claro nas defesas e sustentações que elas são responsáveis pela geração de milhares de empregos, e por uma cadeia de atividades que transcendem e atravessam o local da mina e foro da ação, sendo muito importante o juiz analisar o futuro das atividades e não só as relações de emprego ali em discussão .

Afinal, não há o que se falar a respeito de benefícios sociais e trabalhistas e tampouco em garantia de emprego se as empresas se virem forçadas a reduzir drasticamente suas atividades, por conta das medidas de quarentena e isolamento social impostas pelos estados e municípios. Temos que lembrar que o socorro financeiro empresarial apresentado foi crédito e diferimento de impostos, que terão de ser pagos mais tarde, e cabe ao empregador decidir seu futuro e a extensão dos seus riscos, assim como cabe ao empregado optar pela quebra do contrato se entender que a atividade o expõe a risco para ele inaceitável.

Devemos lembrar que apesar da mineração ser considerada essencial, não basta apenas o reconhecimento em esfera federal da importância e o direito ao pleno funcionamento para preservação dos postos de trabalho, é necessário também a existência de mercado e demanda de seus produtos.

Em especial, e com relação aos julgados proferidos em 1ª instância, à luz dos transtornos sociais já observados, a tendência interpretativa dos magistrados para o cenário atual parece estar pautada exclusivamente na preservação de direitos fundamentais, em detrimento de garantias legais já asseguradas por outras fontes do direito e pacificadas pela jurisprudência majoritária, sem oferecer nenhuma observância aos direitos do empregador, que, principalmente em épocas de recessão, necessita tanto quanto o trabalhador do amparo do poder público, sob pena de acentuação dos desequilíbrios sociais e, consequentemente, da miséria. A redução de postos deve ser considerada, sem dúvida, como uma forma de proteção àqueles que são preservados.

Entretanto, a interpretação das Leis em sua essência, indo ao encontro das pretensões do legislador quando da sua concepção, não deve representar um mero exercício facultativo para os magistrados, em que pesem as particularidades de cada caso e as adequações necessárias exigidas pelas transformações da sociedade.

Assim, decisões como a proferida pelo plantão judiciário da Comarca de Boa Vista (RR), causam grande insegurança jurídica, uma vez que foi desconsiderado conforme legislação trabalhista vigente, o poder potestativo do empregador, fundamentado pelo art. 2º da CLT, já que, no caso em referência, não gozava a demandante de nenhuma das estabilidades provisórias previstas em lei, tampouco encontrava-se em percepção de benefício previdenciário.

Desta forma, diante de tantas incertezas, como as trazidas pela atual crise mundial, é fundamental que o ordenamento jurídico nacional, através de seus operadores, busque esclarecer e preservar, com o devido equilíbrio e justiça, o direito de ambas as partes nesta relação, empregador e empregado, a fim de que o Brasil seja sinônimo de mercado atrativo e seguro para investimentos internos e externos, firmando-se, assim, uma nação constituída de relações trabalhistas sólidas e promissoras, especialmente para os setores mais essenciais da economia, como o da Mineração.

Este artigo é de autoria de: Christiano Willon Gualberto (OAB/RJ 116.209) e Regina Célia Mattoso Carneiro (OAB/RJ 210.372), advogados da FFA LEGAL, escritório especializado no atendimento jurídico, contábil-fiscal e administrativo a empresas do ramo de mineração, e direcionado a seus clientes e parceiros.

Art. 502 – Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:

I – sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;

II – não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;

III – havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.

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