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Pejotização no STF: o julgamento que divide a Justiça, desafia a CLT e sinaliza um novo horizonte para o mercado de trabalho

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    FFA Legal
  • 29 de abr.
  • 6 min de leitura

Resumo: O artigo pretende esclarecer as consequências da suspensão dos processos relacionados à pejotização, determinada pelo STF, e o efeito dessa decisão nas relações de trabalho no Brasil. Além disso, ele procura argumentar sobre os fenômenos da terceirização e pejotização no cenário da reforma trabalhista, abordando as nuances que cercam essas práticas e os riscos associados, destacando as diferentes perspectivas do STF e da Justiça do Trabalho sobre o tema.

 

Palavras-Chave: Pejotização, Terceirização, Reforma Trabalhista, Contratação de PJs, Legitimidade da pejotização, Autonomia profissional, Vínculo empregatício, Flexibilização contratual, STF (Supremo Tribunal Federal), Justiça do Trabalho.

 

A suspensão nacional dos processos que discutem a licitude da pejotização, determinada pelo ministro Gilmar Mendes, escancara o conflito entre dois modelos de organização produtiva e coloca o STF no centro da transformação das relações de trabalho no Brasil.


Desde que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a validade da pejotização, o mundo jurídico, sindical e empresarial foi lançado em uma espécie de pausa forçada — não apenas nos tribunais, mas também nos modelos de contratação e nas estratégias de gestão de pessoas. A medida atinge milhares de ações em trâmite na Justiça do Trabalho e paralisa temporariamente o debate mais sensível do pós-reforma trabalhista: o direito de contratar livremente versus a necessidade de proteger a parte mais frágil da relação trabalhista.


O pano de fundo da decisão é uma ação trabalhista movida por um corretor de seguros que pleiteava o reconhecimento de vínculo empregatício com a Prudential, com a qual mantinha contrato como franqueado. Diante da decisão procedente, o processo foi parar no STF através de recurso extraordinário interposto pela seguradora (ARE 1.532.603) e, ao ser escolhido como caso de repercussão geral (Tema 1389), tornou-se o epicentro de um embate que vai muito além do seu mérito específico. O que se discute, na essência, é se a contratação de pessoas como empresas — as chamadas “PJs” — configura uma forma legítima de relação civil ou uma burla aos direitos trabalhistas clássicos.


A decisão de Gilmar Mendes, tomada em abril de 2025, determinou a suspensão de todos os processos semelhantes até que o STF julgue definitivamente o mérito do caso. Segundo o ministro, a Justiça do Trabalho tem descumprido sistematicamente a jurisprudência do STF, que vem reconhecendo, de forma cada vez mais clara, a legalidade da terceirização irrestrita e, mais recentemente, da própria pejotização. O acúmulo de reclamações constitucionais sobre o tema — mais de 4 mil entre janeiro e setembro de 2024, superando inclusive as ações cíveis — transformou a Corte em instância revisora das decisões trabalhistas, distorcendo sua função original.


Pejotização e terceirização: flexibilização ou fraude?


Para entender o que está em jogo, é fundamental distinguir dois conceitos que se sobrepõem no discurso jurídico, mas possuem naturezas distintas. A terceirização envolve a contratação de uma empresa intermediária para fornecer mão de obra ou executar serviços. Até 2017, era permitida apenas para atividades-meio — como por exemplo segurança e limpeza —, vedando-se sua aplicação à atividade-fim da empresa. Isso mudou com a Reforma Trabalhista, que legalizou a terceirização ampla. No ano seguinte, o STF ratificou essa flexibilização, reconhecendo a sua constitucionalidade.


Já a pejotização é a contratação direta de trabalhadores como pessoas jurídicas. O vínculo entre as partes é formalmente comercial, embora o serviço prestado possa ter todas as características de uma relação de emprego: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Desde o ano de 2022, em que o STF proferiu decisão reconhecendo como lícito um contrato entre um hospital e médicos PJ em Salvador, a Corte vem consolidando o entendimento de que a pejotização não é ilegal por si só. O problema, evidentemente, é quando ela encobre fraudes.


A distinção entre o que é uma contratação legítima e o que é um subterfúgio para driblar a CLT é, portanto, o ponto mais sensível da discussão. A Justiça do Trabalho, por sua vez, tem demonstrado resistência à flexibilização contratual. Mesmo após a decisão da Suprema Corte, magistrados continuam reconhecendo vínculos formais em casos de pejotização, especialmente quando há provas de subordinação ou exclusividade.


Conflito institucional: o STF contra a Justiça do Trabalho


A divergência entre os tribunais ganhou contornos de guerra silenciosa. De um lado, o STF reafirma o direito à liberdade contratual e à organização produtiva; de outro, a Justiça do Trabalho insiste na necessidade de proteger os trabalhadores de vínculos disfarçados. Gilmar Mendes, em sua decisão, acusou abertamente os juízes trabalhistas de ignorar os precedentes da Corte, criando um ambiente de insegurança jurídica e prejudicando a previsibilidade das relações de trabalho.


Não se trata apenas de um debate técnico. A disputa revela uma clivagem ideológica: enquanto o STF se aproxima de uma visão mais liberal do direito do trabalho — enxergando nas novas formas contratuais uma resposta às mudanças econômicas e tecnológicas —, parte da magistratura trabalhista permanece ancorada no paradigma da CLT, que, embora modernizada em 2017, ainda é vista como escudo contra a precarização.


A reação das entidades de defesa dos trabalhadores foi imediata. A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Comissão de Direitos Sociais da OAB/MG criticaram duramente a decisão do ministro, alegando que ela representa um ataque ao direito de acesso à Justiça e fortalece uma agenda de erosão dos direitos sociais. Já para especialistas do setor empresarial, a suspensão era necessária para corrigir o desequilíbrio provocado pelas decisões divergentes e oferecer um mínimo de estabilidade jurídica às empresas que atuam dentro da legalidade.


Reforma Trabalhista e a nova lógica do emprego


A Reforma Trabalhista de 2017 não apenas legalizou a terceirização da atividade-fim, mas também introduziu mecanismos como o trabalho intermitente, o teletrabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado e a autonomia individual nos contratos. O espírito da reforma foi claro: adaptar a legislação às transformações do mercado e estimular formas mais flexíveis de contratação.


Nesse cenário, a pejotização emergiu como um instrumento valioso para empresas que buscam reduzir encargos trabalhistas e ganhar eficiência. Ao contratar um PJ, o empregador não precisa arcar com INSS patronal, FGTS, 13º salário, férias remuneradas, vale-transporte, assistência médica, entre outros benefícios obrigatórios no regime da CLT. Para muitos trabalhadores qualificados, como médicos, advogados, arquitetos, consultores e desenvolvedores, o modelo também pode ser vantajoso — oferecendo mais liberdade, maior remuneração líquida e autonomia profissional.


Mas o modelo não é isento de riscos. Quando mal utilizado — especialmente entre trabalhadores com baixa remuneração e pouca autonomia — ele pode se tornar uma armadilha. A proliferação de contratos de fachada, nos quais o trabalhador é obrigado a se “transformar” em empresa para continuar exercendo uma função idêntica à que teria como celetista, é justamente o que acende o sinal de alerta entre os defensores da proteção trabalhista.


Oportunidade histórica ou risco social?


Para quem defende a modernização das relações de trabalho, a suspensão dos processos é uma janela de oportunidade. Em um momento de transição econômica, com avanço da economia de plataformas, do empreendedorismo digital e da prestação de serviços sob demanda, a pejotização pode representar não uma fraude, mas uma evolução natural da forma como o trabalho se organiza. Como todo modelo, precisa de critérios claros, fiscalização eficiente e transparência — mas não deve ser demonizado.

É evidente que o STF precisará modular sua decisão. Um entendimento que reconheça a licitude da pejotização não pode servir de salvo-conduto para práticas abusivas. Será necessário distinguir o PJ legítimo — autônomo, tecnicamente independente e economicamente viável — do falso autônomo, coagido a renunciar a seus direitos. É um desafio delicado, mas essencial.


O que vem pela frente


O STF ainda não marcou data para o julgamento do mérito. Até lá, os processos permanecerão suspensos e o país, juridicamente paralisado. Advogados aguardam, empresas repensam estratégias e trabalhadores vivem a incerteza sobre seus direitos. Quando a decisão vier, ela poderá moldar o futuro do trabalho no Brasil.


Se reconhecer a licitude da pejotização com critérios objetivos e segurança jurídica, o STF terá dado um passo corajoso rumo à adaptação do direito do trabalho às exigências do século XXI. Se, por outro lado, reafirmar um modelo rígido e punitivo, corre o risco de manter a instabilidade e empurrar empresas para a informalidade.


Em última instância, o julgamento do STF sobre pejotização é mais do que uma disputa técnica: é um momento de definição sobre o tipo de mercado de trabalho que o Brasil deseja construir. Um mercado engessado por normas anacrônicas ou um sistema flexível, transparente e funcional — capaz de garantir eficiência econômica sem abrir mão da dignidade do trabalhador.

 

Este artigo é de autoria de Priscilla Vasconcellos, OABRJ 139408, advogada da FFA Legal, escritório especializado no atendimento a empresas do ramo de mineração, e direcionado a seus clientes e parceiros.

 

 

 
 
 

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