RESUMO: Enquanto a vacinação contra a COVID-19 avança no Brasil e no mundo, algumas pessoas ainda se sentem inseguras em aderir à imunização. Este artigo visa contrapor a liberdade individual de escolher ou não se vacinar com o direito da coletividade de reduzir sua exposição ao vírus. Tal conflito gera questionamentos especialmente nas empresas, em que os empregadores tem o dever de zelar pela saúde de seus colaboradores, gerando assim o questionamento sobre a possibilidade de se demitir por justa causa o trabalhador que se recuse a receber a vacina.
Palavras-chave: Vacina, COVID-19, Recusa, Demissão
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ABSTRACT: Whilst the vaccination against COVID-19 advances in Brazil and in the world, some people still feel insecure in joining this movement. This article aims to counter the individual's freedom to choose whether or not to vaccinate themselves with the right of the collectivity to reduce everyone´s exposure to the virus. Such conflict raises debates, especially in companies, in which employers have a duty to watch over the health of their employees, thus generating questioning about the possibility of dismissal with cause should they refuse to take the vaccine.
Keywords: VACCINE, COVID-19, REFUSAL, DISMISSAL
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A recusa à vacina contra a COVID-19 e a consequente demissão do colaborador é um tema ainda bastante controvertido e que divide opiniões, até mesmo pelo fato de que ainda não existe lei específica regulamentando a exigência da vacinação.
No Brasil, a obrigatoriedade vacinal é prevista na Portaria 597/2004 do Ministério da Saúde, que estabelece sanções civis para os cidadãos que, injustificadamente, se recusarem a tomar as vacinas listadas no anexo I desta legislação, tais como impossibilidade de: (i) matrícula em instituição de ensino pública, (ii) alistamento militar, (iii) recebimento de benefícios sociais concedidos pelo Governo, entre outros.
Até a presente data, no entanto, os imunizantes contra a COVID-19 disponíveis e aprovados para uso no Brasil não foram incluídos nesta lista, não sendo, portanto, obrigatórios a nível nacional.
No início da pandemia causada pela COVID-19, o Governo Federal promulgou a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia, tendo estabelecido, em seu artigo 3º, III, d, a possibilidade das autoridades, dentro de suas competências, adotarem a vacina como forma de combate ao vírus. Essa Lei, no entanto, também não teve o condão de tornar a vacinação contra a COVID-19 obrigatória em âmbito nacional, mas apenas previu que tal medida poderia ser implementada.
Em dezembro de 2020, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a COVID-19, que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação, conforme previsão na Lei 13.979/2020, podendo, ainda, impor aos cidadãos que recusem a imunização as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), não podendo, contudo, fazer imunização forçada da população[1].
No julgamento das mencionadas ações, o ministro Luís Roberto Barroso, manifestou- se pela constitucionalidade da vacinação obrigatória, desde que o imunizante esteja devidamente registrado por órgão de vigilância sanitária, esteja incluído no Plano Nacional de Imunização (PNI), tenha sua obrigatoriedade incluída em lei ou tenha sua aplicação determinada pela autoridade competente.
Apesar de não ter cunho obrigatório por meio de inserção em legislação federal, a vacinação contra a COVID-19 já está sendo exigida, de forma obrigatória, em alguns municípios, como é o caso do Rio de Janeiro, cujos decretos relacionados preveem sanções civis para os não vacinados.
O Decreto Municipal (RJ) nº 49.335, de 26 de agosto de 2021, por exemplo, condiciona o acesso e a permanência no interior de estabelecimentos e locais de uso coletivo, como academias, estádios e cinemas, à comprovação de vacinação contra a COVID-19. A justificativa legal, nesse caso, é a proteção à vida.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concordou com o argumento da Prefeitura do Rio de Janeiro, e indeferiu, em decisão monocrática da Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, pedido liminar em sede do mandado de segurança nº 0064701-33.2021.8.19.0000, em trâmite na 22ª Câmara Cível do Rio de Janeiro[2].
No âmbito das empresas, o assunto foi abordado diretamente pelo Ministério Público do Trabalho (“MPT”), através da elaboração e publicação, em fevereiro de 2021, do GUIA TÉCNICO INTERNO SOBRE VACINAÇÃO DA COVID – 19, que prevê, em síntese, que os colaboradores que se recusarem a tomar a vacina contra a COVID-19, sem apresentar justificativas médicas formais, poderão ser demitidos, inclusive por justa causa. A orientação do MPT é para que as empresas conscientizem previamente os empregados sobre a importância da vacinação e abram diálogo sobre o assunto, mas o entendimento é de que a mera recusa individual e injustificada à vacinação não poderá colocar em risco a saúde dos demais colaboradores.
Importante esclarecer, ainda, que o MPT considera como recusa justificada apenas aquela com embasamento médico, não podendo o trabalhador alegar razões de foro íntimo, político ou religioso para recusar a adesão ao plano nacional de imunização.
O MPT, através de seu procurador-geral, se posicionou no mesmo sentido que o plenário do STF, afirmando que “...Seguimos o princípio de que a vacina é uma proteção coletiva. O interesse coletivo sempre vai se sobrepor ao interesse individual. A solidariedade é um princípio fundante da Constituição”.
Essa orientação do Ministério Público tem como base a obrigação do empregador de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, nos termos do artigo 7º da Constituição Federal, constituindo contravenção penal, punível com multa, a empresa que deixar de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho, nos termos da lei 8213 de 1991.
Não obstante o posicionamento acima exposto, o Guia Técnico do MPT recomenda que a demissão ocorra como última alternativa, ou seja, após reiteradas tentativas de convencimento por parte do empregador da importância da imunização em massa, destacando o procurador-geral que “Na questão trabalhista é preciso ter muita serenidade. A recusa em tomar vacina não pode ser automaticamente uma demissão por justa causa. Todos temos amigos e parentes que recebem diariamente fake news sobre vacinas. O primeiro papel do empregador é trabalhar com informação para os empregados”.
Outro aspecto importante, e ainda segundo o Guia Técnico do MPT, é de que as empresas que pretendam adotar a vacinação contra a COVID-19 como obrigação entre seus funcionários, precisam incluir em seu Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) o risco de contágio de COVID-19 e considerar a vacina no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), a exemplo do uso de máscaras, que já se tornou obrigação básica no ambiente de trabalho desde o começo da pandemia.
Isso porque os trabalhadores devem observar as normas de segurança e medicina do trabalho estabelecidas pelo empregador. Ou seja, se a empresa tornar obrigatória alguma medida de segurança para combate a risco previsto no PGR, o trabalhador que não cumprir com a determinação estaria agindo com indisciplina, o que poderia caracterizar situação passível de demissão por justa causa.
Portanto, caso o empregador pretenda demitir por justa causa os colaboradores que se recusarem a aderir à vacinação, a fim de proteger os demais funcionários, deverá adotar uma política de aplicação gradativa de sanções, além de investir amplamente na divulgação da obrigatoriedade da imunização e em campanhas de incentivo, de forma a dar oportunidade de que todos os trabalhadores se adequem às novas regras impostas.
Já quanto ao aspecto prático, vale ressaltar que na demissão por justa causa, o colaborador fica sem vantagens da rescisão, com direito apenas ao recebimento do salário e das férias proporcionais ao tempo trabalhado. Por outro lado, fica impedido de receber o aviso prévio e 13º salário proporcional. Além disso, o empregador não precisa pagar a multa rescisória de 40% do FGTS, enquanto o trabalhador fica barrado de habilitar o seguro-desemprego e sacar o Fundo.
Desta forma, entendemos que a matéria deva ser objeto de amplo debate, este sempre alicerçado no princípio fundamental do direito à vida, assim como nos princípios jurídicos da razoabilidade e proporcionalidade, devendo cada caso concreto ser analisado à luz de suas peculiaridades, sob pena de nos afastarmos perigosamente da Ordem Jurídica Constitucional e do Estado Democrático de Direito, o que traria consequências nefastas incalculáveis para toda a coletividade.
Concluindo, não obstante à polêmica do assunto em análise, se porventura o colaborador não possuir uma justificativa médica para a recusa à vacinação, e, considerando o dever do empregador em proteger o ambiente de trabalho, entendemos como possível este, se valendo do seu poder diretivo, neste caso específico, proceder com a demissão do colaborador, inclusive por justa causa, em especial se considerada a gravidade da situação ocasionada pela atual pandemia.
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Este artigo é de autoria de Rodrigo dos S. P. Cabral (OAB/RJ 116.820) e Samantha M. de C. Bittencourt (OAB/RJ 147.921), advogados sênior da FFA LEGAL, escritório especializado no atendimento jurídico, contábil-fiscal e administrativo a empresas do setor mineral, e direcionado a seus clientes e parceiros.
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Fontes: mpt.mp.br; portal.stf.jus.br; folha.uol.com.br; ilo.org/brasilia; planalto.gov.br
[1] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&ori=1 [2] http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004BBF4ADA8D4741E27CA99B2547043A6B1C50F591A5564&USER=
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