O MEIO AMBIENTE E O CONTROLE CONSTITUCIONAL DE MEDIDAS CORRELATAS – O PACOTE VERDE
- FFA Legal
- 31 de mai. de 2022
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RESUMO: Em razão da apresentação de diversas propostas de lei que, supostamente, apresentaram retrocessos no movimento de proteção ao meio ambiente, foram propostas diferentes ações para contestar a constitucionalidade de diversas provisões. Em resposta à pressão da sociedade, o Supremo Tribunal Federal pautou todos os processos e tem concedido os pedidos autorais. O objetivo deste artigo é destacar os principais aspectos das propostas legislativas, das ações judiciais, e das decisões concedidas até o momento.
Palavras-Chave: Pacote Verde, meio ambiente, STF, controle jurisdicional.
SUMMARY: Due to the presentation of many law proposals which, supposedly present setbacks to the environment protection movement, a different number of lawsuits were proposed to contest the constitutionality of the provisions. In response to the pressure of the society, the Federal Supreme Court has scheduled all of the lawsuits for judgment and has been granting the Plaintiffs’ requests. This article aims to highlight the main aspects of the legislative proposals, the lawsuits, and the decision granted so far.
Keywords: Green Package, environment, Supreme Court, jurisdictional control.
O Presidente da República, Jair Bolsonaro, deixou claro, durante a campanha presidencial de 2018, sua insatisfação com supostos excessos cometidos em nome da proteção ao meio ambiente, como, por exemplo, o número de áreas florestais protegidas no país. O atual Presidente chegou a prometer naquela oportunidade acabar com o Ministério do Meio Ambiente, assim como retirar o Brasil do Acordo de Paris e facilitar o ingresso de mais agrotóxicos no país.
De fato, ao longo do Governo Bolsonaro, diversos projetos de lei foram propostos e/ou impulsionados, tendo como tema principal a redução das restrições ao meio ambiente e um maior controle das atividades correlatas. Diversos grupos que defendem a ampliação da proteção ao meio ambiente intitularam esse conjunto de medidas como o “Pacote da Destruição”, uma vez que os projetos visam medidas como a simplificação do licenciamento ambiental, a autorização da atividade minerária em terra indígena, a flexibilização da importação de agrotóxicos, dentre outros.
Destacamos a seguir as referidas propostas legislativas:
· Projeto de Lei 2.159/2021, que estabelece normas gerais para o licenciamento ambiental. A proposta já foi aprovada pela Câmara dos Deputados em maio de 2021, e encontra-se, atualmente, na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal.
· Projeto de Lei 2.633/2020, vulgarmente conhecido como PL da Grilagem, que altera a Lei de Licitações e Contratos Administrativas para ampliar o alcance da regularização fundiária. O projeto foi aprovado em agosto de 2021 na Câmara dos Deputados e está em tramitação no Senado.
· Projeto de Lei 490/2007, que altera a legislação de demarcação de terras indígenas. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em junho de 2021.
· Projeto de Lei 191/2020, que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. O projeto segue em tramitação na Câmara dos Deputados.
· Projeto de Lei 6.299/2002, que altera a Lei nº 7.802/89, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. O projeto foi aprovado em fevereiro de 2022 na Câmara dos Deputados e está em tramitação no Senado.
Como resposta aos Projetos de Lei listados, foram propostas sete ações judiciais, que visam frear tais medidas, chamadas popularmente de “Pacote Verde”, todas em trâmite no Supremo Tribunal Federal - STF.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, foi ajuizada pelos partidos políticos PT, PSB, Rede, PDT, PSOL, PCdoB e PV, além de diversas organizações não governamentais, contra o Decreto Presidencial 10.224/2020, que promoveu alterações da composição do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
A exordial aponta, principalmente, a falta de medidas de preservação da Amazônia e dos direitos fundamentais das comunidades tradicionais e requer a responsabilização do Governo Federal pelo aumento de destruição do meio ambiente.
Essa ADPF impacta diretamente o Projeto de Lei 2.633/2020, uma vez que, se por um lado o poder executivo e o legislativo não podem retroceder em matéria de direito ambiental (princípio constitucional da proibição de retrocesso em matéria de direitos fundamentais) e devem garantir efetiva proteção e responsabilização em face dos crimes ambientais também, por outro não podem (executivo e legislativo) oferecer anistia oficial a quem desmatou ilegalmente e ocupou áreas de florestas públicas de forma ilegítima. Dessa forma o PL referido seria flagrantemente inconstitucional.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 735, também de relatoria da ministra Cármen Lúcia, e ajuizada pelo Partido Verde, contesta a Operação Força Verde Brasil 2, com o uso das Forças Armadas no combate a crimes ambientais.
A Operação Força Verde Brasil 2 foi criada através do Decreto 10.341/2020, posteriormente alterado pelo Decreto nº 10.539, de 2020, autorizando o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem e em ações subsidiárias na faixa de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos Estados da Amazônia Legal.
Os autores da ADPF 735 alegam que, por meio de um decreto e uma portaria, o Governo Federal teria retirado a autonomia do Ibama para atuar como agente de fiscalização do desmatamento na Amazônia, sendo certo que as Forças Armadas não têm a mesma experiência e capacidade do órgão ambiental para combater esse tipo de crime. Além disso, a operação teria falhado na redução do desmatamento. Entendem os Autores, portanto, que ao retirar a autonomia do órgão, o Governo Federal feriu, expressamente, preceitos fundamentais da Constituição.
A ADPF 651, também de relatoria da ministra Cármen Lúcia e ajuizada pelo Partido Sustentabilidade, visa declarar a inconstitucionalidade do Decreto 10.224/2020, que criou o Fundo Nacional do Meio Ambiental (FNMA), promovendo alterações na composição do conselho deliberativo.
De acordo com notícia veiculada pelo próprio STF, “a alteração promovida pelo decreto eliminou completamente do órgão a participação de representantes da sociedade civil que atuam na área ambiental, resultando em disparidade representativa em relação aos demais setores sociais representados.[1]”
Em momento posterior, o Autor aditou a exordial para incluir questionamento do Decreto 10.239/2020, que afastou a participação de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal, e do Decreto 10.223/20, que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 54, também de relatoria da ministra Cármen Lúcia e também ajuizada pelo Partido Sustentabilidade, alega omissão da administração federal no combate ao desmatamento, uma vez que caberia ao Poder Público a promoção da conscientização da sociedade no sentido de se preservar o meio ambiente, e o Presidente da República, em suas falas, supostamente faria justamente o contrário.
Já a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6808, também de relatoria da ministra Cármen Lúcia, e ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, contesta a Medida Provisória (MP) 1.040/2021, que introduziu alterações à Lei 11.598/2017.
A Lei 11.598/2017 estabelece diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas, cria a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM, com o objetivo de facilitar a abertura de empresas, reduzindo o custo e o tempo de formalização de negócios.
A MP 1.040/2021 modificou o texto da Lei para permitir que o alvará de funcionamento e as licenças sejam emitidos automaticamente, ou seja, sem análise humana, nos casos em que o grau de risco da atividade seja considerado médio.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 59, única sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Rede Sustentabilidade, requer que seja reconhecida a omissão do Governo Federal e a reativação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), com o repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados e a avaliação dos projetos em fase de consulta.
O Fundo Amazônia, criado através do Decreto nº 6.527/2008, tem por finalidade a realização de aplicações não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal.
Já o Fundo Clima, criado através da Lei nº 12.114/2009, tem por finalidade assegurar recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e à adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos.
Os autores da ação alegam que o governo federal extinguiu órgãos do fundo, além de manter altos valores represados, sem qualquer implementação de ação para coibir casos de desmatamento e incêndios na região, que tiveram aumento considerável.
Em razão de forte pressão social, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu incluir as seis ações supramencionadas em pauta, no dia 30 de março de 2022, ocasião em que foram feitas sustentações orais dos autores e amici curiae da ADPF 760 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 54.
No dia 31 de março de 2022 o julgamento foi retomado com a sustentação oral do procurador-geral da República, Augusto Aras, que argumentou sobre a importância de se manter o equilíbrio entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico, tendo afirmado que "questões sobre o meio ambiente possibilitam diversas respostas legítimas, cabendo aos Poderes a escolha das políticas públicas que melhor se aproximam para o enfrentamento delas".
A ministra Carmen Lúcia, relatora de 5 dos 6 processos, sinalizou, ao longo do 2º dia de julgamento, que deve acatar os pedidos na ADPF 760 e na ADO nº 54, ao afirmar que “não se pode retroceder em matéria de direitos humanos, perdendo o que gerações lutaram para conquistar".
A ministra concluiu, ainda, que "é comprovado cientificamente que más condições climáticas afetam a saúde e a vida digna de pessoas, que colocam em risco a vida no planeta pelo superaquecimento. Por isso, a cooperação internacional é imprescindível".
O julgamento continuou em 06 de abril de 2022 quando a Ministra relatora Carmen Lucia proferiu seu voto na ADPF 760 e na ADO nº 54, acolhendo as alegações dos autores e declarando a existência de um “estado de coisas inconstitucional”. Determinou a ministra que o Governo Federal apresente plano para a retomada do PPCDAm, bem como um plano de fortalecimento para o IBAMA, ICMBio e FUNAI.
Em seu voto, a ministra esclareceu que entende que o indicador adequado para medir a atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) seria a quantidade de autos de infração lavrados. Dessa forma, ainda que a quantidade de operações feitas pelo IBAMA tenha aumentado durante o atual governo, a queda de 22% no número de autos de infração lavrados no período 2019-2021, em comparação a 2012-2018, indicaria uma pior atuação do Governo Federal na defesa do meio ambiente.
A ministra relatora finalizou afirmando que "não compete ao STF escolher as políticas públicas mais adequadas na área ambiental. Mas é dever do STF assegurar o cumprimento da ordem constitucional para a preservação ambiental e proibição do retrocesso ambiental, de direitos fundamentais e democráticos".
O julgamento, para ambos os casos - ADPF 760 e na ADO nº 54 - foi interrompido por pedido de vista do ministro André Mendonça, que acrescentou que os Estados são igualmente responsáveis no que diz respeito à proteção à floresta Amazônica, sendo certo que, “na região, há estados com dimensão maior que muitos países e nós precisamos para ter uma resposta a meu ver adequada a essa questão, tratar também da responsabilidade dos estados”.
Em 27 de abril de 2022 o julgamento do chamado Pacote Verde foi retomado, com a ADPF 651, e a maioria dos ministros do Supremo Tribunal decidiu em favor do Autor, no sentido de se reconhecer a inconstitucionalidade da norma que retira a participação de entidades da sociedade civil do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Apenas o ministro Nunes Marques votou pela improcedência da ADPF 651, pois, no seu entendimento, não há obrigatoriedade constitucional ou legal da participação popular no conselho do FNMA.
Em 28 de abril de 2022, com a retomada dos votos, o presidente da corte, Luiz Fux, acompanhou o voto da maioria, restando decidido o mérito, portanto, da ADPF 651 para: (i) receber o aditamento da petição inicial; (ii) julgar procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade do artigo 5º do Decreto nº 10.224/2020, e restabelecendo, portanto, a participação da sociedade civil no Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente; (iii) julgar procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade do Decreto n. 10.239/2020, no que diz respeito ao artigo que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia.
Imediatamente após o encerramento do julgamento da ADPF 651, a Corte iniciou a votação da ADI 6808, tendo decidido, por unanimidade, que a concessão automática de licença ambiental para empresas que exerçam atividades classificadas como de risco médio é inconstitucional, sendo certo que o texto proposto pela MP 1.040/2021 ofende as normas constitucionais de proteção ao meio ambiente, em especial o princípio da precaução ambiental.
Dessa forma, foi dado parcial provimento ao pedido autoral, para excluir a aplicação dos dispositivos questionados, mas apenas no que diz respeito às licenças ambientais, as quais deverão se manter submetidas aos procedimentos da legislação ambiental vigente.
Importante destacar que essa decisão se aplica para futuras licenças, mas também para as que foram concedidas de forma automática, sendo certo que essas licenças serão consideradas nulas de pleno direito.
Seguem pendentes de julgamento a ADPF 735 e a ADO 59, além dos votos dos demais ministros na ADPF 760 e na ADO nº 54, sendo certo que, nesses casos, já houve voto da ministra relatora Carmen Lucia, favorável aos autores.
É possível concluir, através das declarações e votos feitos pelos ministros do STF, que existe uma tendência para se responsabilizar o Governo Federal pelo aumento do desmatamento da floresta amazônica.
Fica claro que o STF tem a intenção de dar um recado ao atual Governo, no sentido de que o Judiciário irá intervir em questões que representem retrocesso no processo de proteção ao meio ambiente, pautado no direito coletivo ao meio ambiente equilibrado.
Não temos dúvidas de que ambos os lados tem alguma razão. De um lado, o Governo, quando ouve empresários e setor produtivo, invariavelmente impedidos de atuar pela morosidade e ausência de critérios razoáveis, com decisões, muitas vezes, injustas no que diz respeito à análise de projetos de cunho mineral, agrícola, logístico, energético etc. Do outro, o STF, que percebe a inércia da fiscalização diante de atividades absurdamente ilegais e ilícitas, como no caso das invasões das terras indígenas, e sente-se compelida a agir, ainda que, invariavelmente, invada a competência de outros poderes, agindo como se fosse seu papel frear, e até intervir em questões políticas, sob o argumento de evitar crises no País.
Ambos os lados esquecem, porém, que certamente o que a sociedade brasileira quer é viver em um Estado menos tutelado, onde se permita a livre inciativa e o exercício da atividade econômica de forma sustentável, tudo num ambiente de normalidade institucional e de plena democracia.
O STF que a sociedade brasileira conhece, e se habituou por quase dois séculos de existência da Corte, é aquele cujo objetivo maior é o de mediar as instituições e de promover o diálogo, evitando crises e rupturas institucionais. A sociedade não deseja mais ver embates diários de seus representantes nas páginas dos jornais ou nas telas de TV, recheados de agressividade ou hipocrisia.
Este artigo é de autoria de Luis Maurício Azevedo (OAB 80412 RJ) e Samantha M. de C. Bittencourt (OAB 147921 RJ), respectivamente sócio e coordenadora do Departamento Jurídico da FFA LEGAL, escritório especializado no atendimento jurídico, contábil-fiscal e administrativo a empresas do setor mineral, e direcionado a seus clientes e parceiros.
[1] https://stf.jusbrasil.com.br/noticias/810967629/partido-pede-a-suspensao-de-decreto-que-alterou-composicao-de-conselho-deliberativo-do-fundo-nacional-do-meio-ambiente
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