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TRANSFERÊNCIA CAUSA MORTIS DO REQUERIMENTO DE PESQUISA



RESUMO


Analisamos no presente artigo a hipótese de transferência causa mortis dos requerimentos de pesquisa, em especial diante do atual entendimento vigente no âmbito da Agência Nacional de Mineração.


PALAVRAS-CHAVE: Transferência, Causa Mortis, Sucessão, Direitos Minerários.


ABSTRACT:


This article analyzes the hypotheses of causa mortis assignment of the application for exploration permit, in special due to the understanding currently in force within the scope of the National Mining Agency.


Keywords: Transfer, Causa Mortis, Succession, Mineral Rights.


O Código de Mineração e legislação correlata prevê expressamente a possibilidade de transferência de direitos minerários através de instrumento de cessão, mediante o cumprimento de determinadas condições.


Ocorrendo o falecimento de pessoa física titular de um direito minerário, é natural questionarmos se tal direito é transmissível a seu(s) herdeiro(s).


O principal fundamento a sustentar a transmissibilidade causa mortis ou não de um direito minerário é a possibilidade de sua transferência através de cessão de direitos, realizada por ato inter vivos. Assim, tem-se, via de regra, que sendo admitida a cessão de determinado direito minerário, seria possível também sua transmissão causa mortis.


Nesse contexto, no caso de direitos minerários cujos respectivos títulos já tenham sido outorgados pela Agência Nacional de Mineração, é pacífico o entendimento acerca de sua transmissibilidade ao(s) herdeiro(s) do titular falecido. Tampouco existe questionamento quanto à transmissibilidade do requerimento de lavra, eis que norma expressa autoriza sua cessão[1].


A controvérsia reside, portanto, no caso de direitos minerários ainda em fase de requerimento, em especial os requerimentos de pesquisa e de permissão de lavra garimpeira. Isso porque a matéria já foi objeto de análise pela Procuradoria Federal do antigo DNPM, tendo sido emitido o PARECER/PROGE Nº 565/2008-CCE em 14 de novembro de 2008.


O referido parecer sustenta a tese da impossibilidade de transferência do requerimento de autorização de pesquisa ao(s) herdeiro(s), por considerar que o requerimento constitui mera expectativa de direito, razão pela qual o DNPM/ANM deveria desonerar a área nos termos do art. 26 do Código de Mineração, colocando a área em disponibilidade para eventuais terceiros interessados.


No entanto, em que pese o entendimento do citado parecer, cabe analisarmos sua aplicabilidade e adequação, especialmente considerando o histórico das normas aplicáveis à matéria, bem como os novos entendimentos e posicionamentos adotados pela nova Agência, já que se decorreram quase 15 anos da emissão daquela opinião jurídica.


Até 2006 não havia qualquer dispositivo legal ou infralegal que regulasse a cessão de requerimentos de pesquisa, de forma que era admitida a cessão de tais direitos, cessões essas objeto constante de aprovação e averbação pelo DNPM. Em julho de 2006, porém, foi editada a Portaria DNPM nº 199, a qual passou a prever expressamente a vedação da cessão do requerimento de pesquisa[2].


Conforme esclarecido acima, o principal fundamento sustentado no PARECER/PROGE Nº 565/2008-CCE para defender a impossibilidade de transferência causa mortis do requerimento de pesquisa seria a falta de previsão legal para sua transmissibilidade, seja por ato inter vivos ou causa mortis.


O entendimento da Procuradoria do DNPM seria o de que a vedação constante no parágrafo único do art. 2º da Portaria DNPM nº 199/2006, substituído pelo previsto no §3º do artigo 224 da Portaria DNPM nº 155/2016[3], não representaria uma nova regra, mas sim a confirmação do entendimento da Administração quanto ao que prevê a lei que rege a matéria. Isso porque tanto o §3º do artigo 176[4] da Constituição Federal, como o inciso I do artigo 22[5] do Código de Mineração fazem a previsão da cessão dos títulos minerários, sendo, no entanto, omissos quanto à cessão dos requerimentos.


Nesse sentido, há que se reconhecer que o posicionamento adotado no PARECER/PROGE Nº 565/2008-CCE, assim como nas Portarias nº 199/06 e 155/16 do DNPM, buscaram corrigir a lacuna deixada pelo legislador, ao não dispor de forma expressa acerca da possibilidade de transmissibilidade dos requerimentos.


É diante do reconhecimento de que o parecer da PROGE e as Portarias da antiga Autarquia refletem entendimentos, ou interpretações, da lei, mas não são propriamente considerados leis, que pretendemos trazer a análise sobre a possibilidade de serem admitidas as transferências de requerimentos de pesquisa em determinados casos, em que circunstâncias específicas e bem peculiares estejam presentes.


Não pretendemos, no presente artigo, questionar o entendimento de que o requerimento de pesquisa seria mera expectativa de direitos no momento de sua apresentação, uma vez que ainda está sujeito a uma série de análises a fim de confirmar sua regularidade.


Entretanto, uma vez feita a análise dos requisitos técnicos do requerimento de autorização de pesquisa, realizado o estudo de retirada de interferências pelo setor de controle de áreas, bem como cumpridas eventuais exigências por parte do titular, há que se reconhecer terem sido superadas as possibilidades de indeferimento do requerimento, sendo reconhecida a prioridade, não restando mais à autarquia outra possibilidade senão a concessão do título autorizativo. Trata-se, portanto, de ato vinculado da Administração.


Nessa hipótese, é imperioso reconhecer que o titular deixou de ter uma mera expectativa de direito, mas sim o direito efetivo, concreto e adquirido, líquido e certo, de ter seu alvará de pesquisa outorgado.


É nessas circunstâncias que entendemos caber revisão do posicionamento anterior quanto à impossibilidade de transferência – seja por ato inter vivos, seja causa mortis – do requerimento de pesquisa.


Imagine-se um caso em que o titular apresente seu requerimento de forma regular, sendo o mesmo objeto de todas as análises pelos setores responsáveis, sendo, inclusive, emitida a minuta do alvará de pesquisa. Se, nesta hipótese, o alvará deixar de ser publicado pela ANM, tal omissão não se daria por culpa do requerente, que, portanto, não pode ser prejudicado pela inércia e morosidade da Administração.


Assim, em casos como o acima aventado, caso o requerente venha a falecer após ser superada a possibilidade de indeferimento do requerimento de pesquisa, porém antes de ser efetivamente publicado o alvará de pesquisa, entendemos ser plenamente possível a Autarquia reconhecer que o requerente tinha direito ao título, sendo tal direito transmissível a seus sucessores.


Em outras palavras, o alvará de pesquisa não concedido, mas apto a ser concedido, constitui direito subjetivo à autorização de pesquisa, o qual se configura como verdadeiro direito adquirido e, portanto, incorpora ao patrimônio do interessado, ficando sujeito à sucessão universal no caso de falecimento do seu titular.


Não admitir a transmissão causa mortis de requerimentos de pesquisa em casos como o acima analisado representa uma interpretação da lei em desfavor do administrado e do próprio desenvolvimento do setor mineral.


Em sua fundamentação, o PARECER/PROGE Nº 565/2008-CCE brilhantemente discorre sobre a necessidade de que o operador da lei supra as lacunas legislativas a fim de encontrar a solução para o caso concreto. Nesse aspecto, pedimos vênia para transcrever parte do i. parecer:


“O preenchimento obrigatório das lacunas em face das quais se depara o operador da lei é assegurado pelo princípio que está a impedir o non liquet (não convém), expresso na lei de introdução ao Código Civil, norma de superdireito, enunciada pelo legislador pátrio nos seguintes termos:


‘Art. 4º: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.’


O desenvolvimento das relações sociais, o advento de novas invenções dentre outras causas que provocam o envelhecimento dos textos constitucionais independem da vontade do legislador, originando lacunas no ordenamento jurídico. A existência desses brancos na legislação minerária não constitui causa de estranhamento, tendo em vista que este conjunto de normas foi editado em período anterior ao advento do ordenamento constitucional inaugurado pela Constituição da República de 1988 que deverá, no presente momento, ser contemplado de modo a permitir que o sistema jurídico aporte solução aos casos da realidade.”


E continua:


no âmbito do direito pátrio, a colmatação de lacunas é realizada através do emprego da analogia, dos costumes, bem assim da aplicação dos princípios gerais de direito conforme norma da LICC supratranscrita. Através da analogia aplica-se ao caso não previsto norma que está a reger outro semelhante.”


Por tais argumentos, deve-se admitir, portanto, ser não somente possível, mas necessário, que o operador do direito se utilize da analogia a outros casos previstos em lei para suprimir eventuais omissões do legislador, a fim de encontrar soluções mais adequadas às relações sociais que sofrem modificações com o decorrer dos anos.


Por essa razão, é imperioso reconhecer que o PARECER/PROGE Nº 565/2008-CCE merece revisão em parte de sua conclusão, de forma a adequar-se à nova realidade econômica do setor mineral brasileiro, bem como das políticas defendidas pela nova Agência Nacional de Mineração de celeridade e redução das burocracias.


Assim, entendemos salutar que a atual Diretoria Colegiada da ANM reveja o posicionamento contido no PARECER/PROGE Nº 565/2008-CCE, em especial no tocante a impossibilidade de transmissão causa mortis dos requerimentos de pesquisa que já tenham sido objeto de análise técnica, estando aptos a terem o alvará de pesquisa concedido.


Não é demais aventar a possibilidade, inclusive, de revisão da legislação infralegal aplicável, em especial a Portaria DNPM nº 155/16, de forma a prever expressamente a hipótese de cessão de requerimento em casos semelhantes – ou seja, em que a análise técnica tenha sido concluída – mas em que o alvará de pesquisa não tenha sido outorgado após, por exemplo, decorridos 60 dias da conclusão de tal análise.


Acreditamos que a adoção deste novo entendimento pela Agência Nacional de Mineração, além de ir ao encontro dos princípios de fomento da atividade mineral, prestigiaria o princípio da segurança jurídica, basilar no direito administrativo brasileiro.



Este artigo é de autoria de Ianê Pitrowsky da Rocha (OAB 126.000 RJ) e Rodrigo Simões Lessa (OAB 160366 RJ), advogados da FFA LEGAL, escritório especializado no atendimento a empresas do ramo de mineração, e direcionado a seus clientes e parceiros.

[1] Art. 31 do Código de Mineração: “O titular, uma vez aprovado o Relatório, terá 1 (hum) ano para requerer a concessão de lavra, e, dentro deste prazo, poderá negociar seu direito a essa concessão, na forma deste Código.” [2] Art. 2º, Parágrafo único da Portaria DNPM 199/06: “Não será admitido cessão ou transferência, parcial ou total, de requerimento de pesquisa, registro de licença e permissão de lavra garimpeira.” [3]Art. 224, § 3º da Portaria DNPM 155/16: “Não será admitida cessão ou transferência, parcial ou total, de requerimentos de autorização de pesquisa, registro de licença e permissão de lavra garimpeira.” [4] Art. 176, §3º/CF: “A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.” [5] Art. 22, inciso I do Código de Mineração: “I - o título poderá ser objeto de cessão ou transferência, desde que o cessionário satisfaça os requisitos legais exigidos. Os atos de cessão e transferência só terão validade depois de devidamente averbados no DNPM.”

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