TRANSFERĂNCIA CAUSA MORTIS DO REQUERIMENTO DE PESQUISA
- FFA Legal
- 28 de jul. de 2022
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RESUMO
Analisamos no presente artigo a hipĂłtese de transferĂȘncia causa mortis dos requerimentos de pesquisa, em especial diante do atual entendimento vigente no Ăąmbito da AgĂȘncia Nacional de Mineração.
PALAVRAS-CHAVE: TransferĂȘncia, Causa Mortis, SucessĂŁo, Direitos MinerĂĄrios.
ABSTRACT:
This article analyzes the hypotheses of causa mortis assignment of the application for exploration permit, in special due to the understanding currently in force within the scope of the National Mining Agency.
Keywords: Transfer, Causa Mortis, Succession, Mineral Rights.
O CĂłdigo de Mineração e legislação correlata prevĂȘ expressamente a possibilidade de transferĂȘncia de direitos minerĂĄrios atravĂ©s de instrumento de cessĂŁo, mediante o cumprimento de determinadas condiçÔes.
Ocorrendo o falecimento de pessoa fĂsica titular de um direito minerĂĄrio, Ă© natural questionarmos se tal direito Ă© transmissĂvel a seu(s) herdeiro(s).
O principal fundamento a sustentar a transmissibilidade causa mortis ou nĂŁo de um direito minerĂĄrio Ă© a possibilidade de sua transferĂȘncia atravĂ©s de cessĂŁo de direitos, realizada por ato inter vivos. Assim, tem-se, via de regra, que sendo admitida a cessĂŁo de determinado direito minerĂĄrio, seria possĂvel tambĂ©m sua transmissĂŁo causa mortis.
Nesse contexto, no caso de direitos minerĂĄrios cujos respectivos tĂtulos jĂĄ tenham sido outorgados pela AgĂȘncia Nacional de Mineração, Ă© pacĂfico o entendimento acerca de sua transmissibilidade ao(s) herdeiro(s) do titular falecido. Tampouco existe questionamento quanto Ă transmissibilidade do requerimento de lavra, eis que norma expressa autoriza sua cessĂŁo[1].
A controvĂ©rsia reside, portanto, no caso de direitos minerĂĄrios ainda em fase de requerimento, em especial os requerimentos de pesquisa e de permissĂŁo de lavra garimpeira. Isso porque a matĂ©ria jĂĄ foi objeto de anĂĄlise pela Procuradoria Federal do antigo DNPM, tendo sido emitido o PARECER/PROGE NÂș 565/2008-CCE em 14 de novembro de 2008.
O referido parecer sustenta a tese da impossibilidade de transferĂȘncia do requerimento de autorização de pesquisa ao(s) herdeiro(s), por considerar que o requerimento constitui mera expectativa de direito, razĂŁo pela qual o DNPM/ANM deveria desonerar a ĂĄrea nos termos do art. 26 do CĂłdigo de Mineração, colocando a ĂĄrea em disponibilidade para eventuais terceiros interessados.
No entanto, em que pese o entendimento do citado parecer, cabe analisarmos sua aplicabilidade e adequação, especialmente considerando o histĂłrico das normas aplicĂĄveis Ă matĂ©ria, bem como os novos entendimentos e posicionamentos adotados pela nova AgĂȘncia, jĂĄ que se decorreram quase 15 anos da emissĂŁo daquela opiniĂŁo jurĂdica.
AtĂ© 2006 nĂŁo havia qualquer dispositivo legal ou infralegal que regulasse a cessĂŁo de requerimentos de pesquisa, de forma que era admitida a cessĂŁo de tais direitos, cessĂ”es essas objeto constante de aprovação e averbação pelo DNPM. Em julho de 2006, porĂ©m, foi editada a Portaria DNPM nÂș 199, a qual passou a prever expressamente a vedação da cessĂŁo do requerimento de pesquisa[2].
Conforme esclarecido acima, o principal fundamento sustentado no PARECER/PROGE NÂș 565/2008-CCE para defender a impossibilidade de transferĂȘncia causa mortis do requerimento de pesquisa seria a falta de previsĂŁo legal para sua transmissibilidade, seja por ato inter vivos ou causa mortis.
O entendimento da Procuradoria do DNPM seria o de que a vedação constante no parĂĄgrafo Ășnico do art. 2Âș da Portaria DNPM nÂș 199/2006, substituĂdo pelo previsto no §3Âș do artigo 224 da Portaria DNPM nÂș 155/2016[3], nĂŁo representaria uma nova regra, mas sim a confirmação do entendimento da Administração quanto ao que prevĂȘ a lei que rege a matĂ©ria. Isso porque tanto o §3Âș do artigo 176[4] da Constituição Federal, como o inciso I do artigo 22[5] do CĂłdigo de Mineração fazem a previsĂŁo da cessĂŁo dos tĂtulos minerĂĄrios, sendo, no entanto, omissos quanto Ă cessĂŁo dos requerimentos.
Nesse sentido, hĂĄ que se reconhecer que o posicionamento adotado no PARECER/PROGE NÂș 565/2008-CCE, assim como nas Portarias nÂș 199/06 e 155/16 do DNPM, buscaram corrigir a lacuna deixada pelo legislador, ao nĂŁo dispor de forma expressa acerca da possibilidade de transmissibilidade dos requerimentos.
Ă diante do reconhecimento de que o parecer da PROGE e as Portarias da antiga Autarquia refletem entendimentos, ou interpretaçÔes, da lei, mas nĂŁo sĂŁo propriamente considerados leis, que pretendemos trazer a anĂĄlise sobre a possibilidade de serem admitidas as transferĂȘncias de requerimentos de pesquisa em determinados casos, em que circunstĂąncias especĂficas e bem peculiares estejam presentes.
Não pretendemos, no presente artigo, questionar o entendimento de que o requerimento de pesquisa seria mera expectativa de direitos no momento de sua apresentação, uma vez que ainda estå sujeito a uma série de anålises a fim de confirmar sua regularidade.
Entretanto, uma vez feita a anĂĄlise dos requisitos tĂ©cnicos do requerimento de autorização de pesquisa, realizado o estudo de retirada de interferĂȘncias pelo setor de controle de ĂĄreas, bem como cumpridas eventuais exigĂȘncias por parte do titular, hĂĄ que se reconhecer terem sido superadas as possibilidades de indeferimento do requerimento, sendo reconhecida a prioridade, nĂŁo restando mais Ă autarquia outra possibilidade senĂŁo a concessĂŁo do tĂtulo autorizativo. Trata-se, portanto, de ato vinculado da Administração.
Nessa hipĂłtese, Ă© imperioso reconhecer que o titular deixou de ter uma mera expectativa de direito, mas sim o direito efetivo, concreto e adquirido, lĂquido e certo, de ter seu alvarĂĄ de pesquisa outorgado.
Ă nessas circunstĂąncias que entendemos caber revisĂŁo do posicionamento anterior quanto Ă impossibilidade de transferĂȘncia â seja por ato inter vivos, seja causa mortis â do requerimento de pesquisa.
Imagine-se um caso em que o titular apresente seu requerimento de forma regular, sendo o mesmo objeto de todas as anålises pelos setores responsåveis, sendo, inclusive, emitida a minuta do alvarå de pesquisa. Se, nesta hipótese, o alvarå deixar de ser publicado pela ANM, tal omissão não se daria por culpa do requerente, que, portanto, não pode ser prejudicado pela inércia e morosidade da Administração.
Assim, em casos como o acima aventado, caso o requerente venha a falecer apĂłs ser superada a possibilidade de indeferimento do requerimento de pesquisa, porĂ©m antes de ser efetivamente publicado o alvarĂĄ de pesquisa, entendemos ser plenamente possĂvel a Autarquia reconhecer que o requerente tinha direito ao tĂtulo, sendo tal direito transmissĂvel a seus sucessores.
Em outras palavras, o alvarå de pesquisa não concedido, mas apto a ser concedido, constitui direito subjetivo à autorização de pesquisa, o qual se configura como verdadeiro direito adquirido e, portanto, incorpora ao patrimÎnio do interessado, ficando sujeito à sucessão universal no caso de falecimento do seu titular.
Não admitir a transmissão causa mortis de requerimentos de pesquisa em casos como o acima analisado representa uma interpretação da lei em desfavor do administrado e do próprio desenvolvimento do setor mineral.
Em sua fundamentação, o PARECER/PROGE NÂș 565/2008-CCE brilhantemente discorre sobre a necessidade de que o operador da lei supra as lacunas legislativas a fim de encontrar a solução para o caso concreto. Nesse aspecto, pedimos vĂȘnia para transcrever parte do i. parecer:
âO preenchimento obrigatĂłrio das lacunas em face das quais se depara o operador da lei Ă© assegurado pelo princĂpio que estĂĄ a impedir o non liquet (nĂŁo convĂ©m), expresso na lei de introdução ao CĂłdigo Civil, norma de superdireito, enunciada pelo legislador pĂĄtrio nos seguintes termos:
âArt. 4Âș: Quando a lei for omissa, o juiz decidirĂĄ o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princĂpios gerais de direito.â
O desenvolvimento das relaçÔes sociais, o advento de novas invençÔes dentre outras causas que provocam o envelhecimento dos textos constitucionais independem da vontade do legislador, originando lacunas no ordenamento jurĂdico. A existĂȘncia desses brancos na legislação minerĂĄria nĂŁo constitui causa de estranhamento, tendo em vista que este conjunto de normas foi editado em perĂodo anterior ao advento do ordenamento constitucional inaugurado pela Constituição da RepĂșblica de 1988 que deverĂĄ, no presente momento, ser contemplado de modo a permitir que o sistema jurĂdico aporte solução aos casos da realidade.â
E continua:
âno Ăąmbito do direito pĂĄtrio, a colmatação de lacunas Ă© realizada atravĂ©s do emprego da analogia, dos costumes, bem assim da aplicação dos princĂpios gerais de direito conforme norma da LICC supratranscrita. AtravĂ©s da analogia aplica-se ao caso nĂŁo previsto norma que estĂĄ a reger outro semelhante.â
Por tais argumentos, deve-se admitir, portanto, ser nĂŁo somente possĂvel, mas necessĂĄrio, que o operador do direito se utilize da analogia a outros casos previstos em lei para suprimir eventuais omissĂ”es do legislador, a fim de encontrar soluçÔes mais adequadas Ă s relaçÔes sociais que sofrem modificaçÔes com o decorrer dos anos.
Por essa razĂŁo, Ă© imperioso reconhecer que o PARECER/PROGE NÂș 565/2008-CCE merece revisĂŁo em parte de sua conclusĂŁo, de forma a adequar-se Ă nova realidade econĂŽmica do setor mineral brasileiro, bem como das polĂticas defendidas pela nova AgĂȘncia Nacional de Mineração de celeridade e redução das burocracias.
Assim, entendemos salutar que a atual Diretoria Colegiada da ANM reveja o posicionamento contido no PARECER/PROGE NÂș 565/2008-CCE, em especial no tocante a impossibilidade de transmissĂŁo causa mortis dos requerimentos de pesquisa que jĂĄ tenham sido objeto de anĂĄlise tĂ©cnica, estando aptos a terem o alvarĂĄ de pesquisa concedido.
NĂŁo Ă© demais aventar a possibilidade, inclusive, de revisĂŁo da legislação infralegal aplicĂĄvel, em especial a Portaria DNPM nÂș 155/16, de forma a prever expressamente a hipĂłtese de cessĂŁo de requerimento em casos semelhantes â ou seja, em que a anĂĄlise tĂ©cnica tenha sido concluĂda â mas em que o alvarĂĄ de pesquisa nĂŁo tenha sido outorgado apĂłs, por exemplo, decorridos 60 dias da conclusĂŁo de tal anĂĄlise.
Acreditamos que a adoção deste novo entendimento pela AgĂȘncia Nacional de Mineração, alĂ©m de ir ao encontro dos princĂpios de fomento da atividade mineral, prestigiaria o princĂpio da segurança jurĂdica, basilar no direito administrativo brasileiro.
Este artigo Ă© de autoria de IanĂȘ Pitrowsky da Rocha (OAB 126.000 RJ) e Rodrigo SimĂ”es Lessa (OAB 160366 RJ), advogados da FFA LEGAL, escritĂłrio especializado no atendimento a empresas do ramo de mineração, e direcionado a seus clientes e parceiros.
[1] Art. 31 do CĂłdigo de Mineração: âO titular, uma vez aprovado o RelatĂłrio, terĂĄ 1 (hum) ano para requerer a concessĂŁo de lavra, e, dentro deste prazo, poderĂĄ negociar seu direito a essa concessĂŁo, na forma deste CĂłdigo.â [2] Art. 2Âș, ParĂĄgrafo Ășnico da Portaria DNPM 199/06: âNĂŁo serĂĄ admitido cessĂŁo ou transferĂȘncia, parcial ou total, de requerimento de pesquisa, registro de licença e permissĂŁo de lavra garimpeira.â [3]Art. 224, § 3Âș da Portaria DNPM 155/16: âNĂŁo serĂĄ admitida cessĂŁo ou transferĂȘncia, parcial ou total, de requerimentos de autorização de pesquisa, registro de licença e permissĂŁo de lavra garimpeira.â [4] Art. 176, §3Âș/CF: âA autorização de pesquisa serĂĄ sempre por prazo determinado, e as autorizaçÔes e concessĂ”es previstas neste artigo nĂŁo poderĂŁo ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prĂ©via anuĂȘncia do poder concedente.â [5] Art. 22, inciso I do CĂłdigo de Mineração: âI - o tĂtulo poderĂĄ ser objeto de cessĂŁo ou transferĂȘncia, desde que o cessionĂĄrio satisfaça os requisitos legais exigidos. Os atos de cessĂŁo e transferĂȘncia sĂł terĂŁo validade depois de devidamente averbados no DNPM.â