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A aplicação de testes toxicológicos nos empregados é legal?



RESUMO

O presente artigo tem como objetivo avaliar a possibilidade de as empresas implementarem programas de combate ao uso de álcool e drogas, com a aplicação de testes toxicológicos nos seus empregados e colaboradores, e, sendo possível, quais condições e cuidados o empregador deve ter.

PALAVRAS-CHAVE: teste toxicológico; privacidade; intimidade; honra; imagem; vida; segurança; bem coletivo; cargos de risco; mineração.

ABSTRACT:

The purpose of this article is to analyze the possibility of the companies to implement programs to fight the use of alcohol and drugs, with the application of toxicological tests on their employees and associates and, being possible, which conditions and precautions the employer must have.

Keywords: toxicological test; privacy; intimacy; honor; image; life; safety; good of society; risk positions; mining.

A aplicação, pelo empregador, de testes laboratoriais de urina e bafômetro em funcionários é um tema polêmico vestido de diversas vertentes e discussões. É de extrema importância analisar cada aspecto antes de se decidir pela implementação ou não deste tipo de ação no âmbito corporativo, uma vez que o assunto apresenta conflito entre direitos fundamentais, em especial direito à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem, à vida e à segurança.

Não existe, na legislação, vedação expressa à prática. Por outro lado, também não existe regulamentação para essa ação, com exceção dos casos específicos de motoristas profissionais e os aeronautas (pilotos, comissários e mecânicos de voo).

No caso de motoristas profissionais essa obrigatoriedade está prevista nos artigos 168, §§ 6º e 7º e 235-B, VII e Parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, no artigo 148-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Código de Trânsito Brasileiro e no artigo 4º, g) da Resolução Contran 425/2012. Com relação aos aeronautas, a obrigatoriedade de exames toxicológicos prévios e aleatórios está expressa no Regulamento Brasileiro da Aviação Civil – RBAC nº 120.

Para as demais funções, existe um entendimento geral de que o empregador apenas pode exigir que o empregado se submeta a exame médico de rotina, conforme previsão no artigo 168 da CLT, sendo certo que, quaisquer exames adicionais configurariam uma ofensa aos direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos trabalhadores, garantidos pela Constituição no artigo 5º, inciso X.

Dessa maneira, a não ser que o empregador consiga comprovar que a aplicação de testes toxicológicos é justificada, entender-se-á que a prática é abusiva e, consequentemente, ensejadora de danos.

Um exemplo foi a condenação da rede de lojas de material esportivo Centauro em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em razão da realização de exames toxicológicos em seus empregados em todas as unidades do território nacional.

Os exames eram realizados de forma aleatória, por meio de sorteio por número de matrícula, mas os empregados alegaram que, em muitas situações, eram alvos de brincadeiras. Em razão disso, o MPT entendeu que houve abuso de poder diretivo da empresa.

O juiz de 1ª instância acolheu a tese do Parquet, e condenou a Centauro ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$80.000,00, bem como a se abster de realizar exames toxicológicos para detecção de uso de drogas lícitas ou ilícitas, sob pena de multa de R$5.000,00 por empregado. A Centauro recorreu, mas a sentença foi mantida pelo Tribunal.

Em que pese o direito do empregado à sua imagem, honra e privacidade, em alguns casos se faz necessário observar a proteção ao bem coletivo e o direito à vida e à segurança.

Um desses casos são as empresas que exercem atividades de risco, no qual é compreensível e esperado que a empresa controle o estado físico e mental de seus empregados, em especial aqueles que executam pessoal e diretamente atividades que possam colocar em risco a coletividade, tais como: operação de maquinário pesado, uso de produtos explosivos, manuseio de produtos químicos, monitoramento de barragem, entre outros.

A Constituição Federal determina que os todos têm direito a um meio ambiente de trabalho seguro, cabendo ao empregador zelar por esse direito[1], sendo certo que a jurisprudência confirma esse entendimento:

PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE USO DE DROGAS – EXAME TOXICOLÓGICO – PREVENÇÃO – LICITUDE. Programa de prevenção ao uso de drogas, no qual o empregado autoriza expressamente a realização de teste toxicológico, sigiloso, é ferramenta eficaz na busca da diminuição do consumo de substâncias lícitas e ilícitas que expõem o obreiro a risco de acidentes, comprometem a sua saúde e põem em risco a vida não apenas do empregado, mas também de toda a coletividade. A conduta adotada pela reclamada se reveste de juridicidade, estando em sintonia com o dever geral de cautela e cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho pelo empregador (art. 157 da CLT).”

(TRT-3 – RO: 00105020520165030171 0010502-05.2016.5.03.0171, Relator: Convocado Mauro Cesar Silva, Decima Turma)

No caso vertente, a parte autora alegou que foi obrigada a fazer exames toxicológicos, na admissão e nas avaliações periódicas, situação esta que entende ser invasiva de sua intimidade, sobretudo pelo fato de não ter permitido tais exames.

Analisando as argumentações trazidas por ambas as partes, concordamos com o quanto asseverado pela Reclamada em suas razões de recurso, haja vista que, de fato, o Obreiro exercia função relativa à extração de petróleo e seus derivados, sendo uma atividade eminentemente perigosa, pelo que decerto se fazia necessário o acompanhamento de seus empregados, a fim de se evitar acidentes que poderiam ocasionar danos de grandes proporções aos demais empregados, bem como ao meio ambiente, devido à atividade desenvolvida.

Em sendo assim, não vislumbramos qualquer violação a direito do Reclamante, não havendo que se falar em indenização por danos morais, pelo só fato de ter sido feita pesquisa acerca da presença de substâncias tóxicas em seu organismo, prejudiciais ao pleno exercício de suas atividades, quando da realização dos exames médicos periódicos.”

(TST – AIRR: 16809020115050221, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Publicação: DEJT 05/09/2018)

De acordo com levantamento feito pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, o setor minerário é considerado um dos mais perigosos do mundo para se trabalhar em razão do alto risco de acidentes[2].

De acordo com a Fundação Jorge Duprat e Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro)[3], o Brasil apresentou um índice médio de acidentes de trabalho de 8,66% de 2002 a 2010, sendo certo que 21,99% destes acidentes foram no setor minerário.

Em razão disso, a legislação brasileira prevê tratamentos específicos e especiais para trabalho minerário, tanto através da Norma Regulamentadora 22 (Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração), quanto nos artigos 293 a 301 da CLT, que regulam o trabalho em minas subterrâneas.

A nível internacional, a OIT adotou a Convenção 167 de 1995, e a Recomendação 183 de 1995, ambas promulgadas pelo Decreto 6.270/2007.

É possível observar que todas as normas supra citadas trazem uma série de cuidados que devem ser observados pelas mineradoras afim de se proteger a saúde, a vida e a segurança de seus funcionários.

Dessa maneira, é possível assumir que a atividade mineral é de alto risco, sendo razoável a adoção de toda e qualquer medida que se faça necessária para reduzir ou eliminar riscos de acidentes, incluindo a implementação de programa de combate ao uso de álcool e substâncias psicoativas, as quais causam um abalo no discernimento e reflexo do funcionário e prejudicam o desempenho das atividades. No caso de drogas repressoras, tais como ansiolíticos, álcool e narcóticos, há uma diminuição significativa da concentração e da atenção, por exemplo[4].

Tendo decidido implementar a aplicação de testes toxicológicos em seus funcionários, o minerador deve observar e atender aos seguintes critérios e cuidados:

Cargos de risco: a aplicação de exames toxicológicos deve ser feita apenas para empregados que exerçam atividades de risco, sendo certo que, no caso de pessoas exercendo atividades administrativas, haveria um excesso do dever de cuidado do empregador, e a esfera do direito à privacidade e intimidade do empregado seria invadida.

Caso, no entanto, exista um único ambiente de trabalho, no qual empregados em cargos administrativos e de risco estejam alocados, seria, pelo princípio da igualdade, indicado considerar a totalidade dos funcionários para a aplicação dos testes, uma vez que conferir tratamento diferenciado a grupos de funcionários poderia caracterizar preconceito ou discriminação.

Sorteio aleatório: é imprescindível que não haja qualquer forma de discriminação na escolha dos funcionários a serem submetidos aos exames toxicológicos, devendo os mesmos serem escolhidos aleatoriamente, preferencialmente através de sorteio eletrônico conduzido por terceiro neutro, contratado para esse fim.

Esse cuidado é essencial para evitar que os colaboradores selecionados sofram algum tipo de perseguição, retaliação ou assédio.

Confidencialidade: esse talvez seja o aspecto mais importante a ser observado pelo empregador. É imprescindível que os exames não façam parte do PCMSO, nem do ASO, preservando os resultados, independentemente de serem positivos ou negativos, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – Lei 13.709/2018, da parte final do artigo 168, §6º da CLT, artigo 148-A, §6º do Código de Trânsito Brasileiro, e itens 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 do ANEXO da Portaria MTPS Nº 116 DE 13/11/2015.

Também é preciso proteger a privacidade do empregado quando o mesmo for selecionado para o exame, evitando que o convite para se submeter ao exame seja feito de forma pública, na frente dos demais empregados. A aplicação do exame também deve ser feita de forma discreta, individual e privada, contando apenas com a presença de profissional da saúde, evitando constrangimentos ao empregado.

Parte de um programa completo: uma questão que vem sendo observada pelo Poder Judiciário é se a aplicação de testes toxicológicos é uma ação isolada, ou se faz parte de um programa completo que tem como objetivo a prevenção e auxílio à dependência química.

Dessa forma, é importante que as empresas elaborem programas que tragam ações preventivas, tais como palestras e distribuição de material sobre o assunto, assim como opções de tratamentos para eventuais colaboradores que sejam identificados como dependentes químicos durante o processo, estabelecendo, de forma clara, os termos e condições de eventuais tratamentos que sejam disponibilizados a esses colaboradores, incluindo prazo e qual custo será arcado por eles, se algum.

O empregador deverá apresentar todas as condições do programa antes de implementar quaisquer ações previstas no mesmo, coletando, se possível, protocolos de entrega do Programa escrito e/ou confirmação de participação em treinamento/apresentação sobre o tema.

Autorização expressa, prévia e por escrito: é imperativo que os empregados sejam informados da existência e dos termos e condições do programa que inclui testagem com antecedência, além de assinarem termos de consentimento para que seja realizado exame toxicológico, devendo o mesmo ser escrito, prévio à aplicação do exame, e datado.

É importante que o empregado seja informado que tem liberdade para recusar o teste, não devendo sofrer penalidades pela recusa, ou caso o seu exame dê positivo, isso não seja motivo para demissão, e sim para encaminhamento de possível tratamento.

Conclusão:

Apesar de ser um tema controvertido, é possível para as empresas na área de mineração adotarem como prática a aplicação de testes toxicológicos em seus funcionários, afim de preservar a integridade física de todos os colaboradores, em razão da natureza de suas atividades, devendo, apenas, observar os critério e condições quando da implementação desse tipo de programa.

Este artigo é de autoria de: Samantha Bittencourt, advogada sênior da FFA LEGAL, escritório especializado no atendimento jurídico, contábil-fiscal e administrativo a empresas do ramo de mineração, e direcionado a seus clientes e parceiros.

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