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A MP 1133 DE FATO FAVORECE A MINERAÇÃO DE BENS NUCLEARES PELA INICIATIVA PRIVADA?





RESUMO






ABSTRACT

Provisional Measure/MP No. 1,133, of August 12, 2022, disciplined and authorized the economic use of nuclear mineral goods by the private sector. But does the measure actually stimulate, foster and promote attractiveness for the mineral sector, giving the private sector the prerogative to exploit nuclear mineral goods?

Public policies aimed at the Brazilian energy matrix are part of the National Energy Plan (PNE 2050), with a view to ensuring Brazilian energy security, diversification of sources, reduction of greenhouse gases (GHG) and the use of nuclear mineral goods, with Brazil being the 7th. in the world ranking in terms of known reserves, could significantly contribute to it.

Keywords: Nuclear mineral goods, energy matrix, GEE and attractiveness


A Medida Provisória editada pelo Governo brasileiro em 12 de agosto de 2021 regula a pesquisa, a lavra e a comercialização de minérios nucleares, de seus concentrados e derivados, além de dispor sobre as atribuições e prerrogativas específicas das Indústrias Nucleares do Brasil S.A. – INB, empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia/MME que detém o monopólio da produção e comercialização de bens minerais nucleares[1].


Com a MP nº 1.133/2022, a INB está autorizada a firmar parcerias público-privadas com empresas do setor mineral brasileiro, o que em tese teria capacidade de gerar atração de investimento e oportunidades para o setor de minerais nucleares em todas as suas etapas.


Pelas regras da MP, são atribuições da INB, estabelecidas no artigo 4º, a execução da pesquisa, desenvolvimento de tecnologias, lavra e o comércio de minérios nucleares e de seus concentrados, associados e derivados, a construção e operação das instalações de tratamento, concentração e beneficiamento de minérios nucleares, além de negociação e comercialização, nos mercados interno e externo, e gerenciamento do aproveitamento do recurso estratégico de minério nuclear.


Também fica a cargo da INB a realização dos estudos de viabilidade técnica e econômica para a definição da forma de aproveitamento dos recursos minerais nucleares. Ainda no Plano de Pesquisa e ou no Plano de Aproveitamento Econômico, deve estar previamente definido se a apuração do valor econômico do elemento nuclear e da substância mineral pesquisada ou lavrada pode ocorrer de forma associada a outros bens minerais ou não.


As alternativas da contrapartida financeira a serem oferecidas ao particular pela INB, poderão ocorrer através de pagamento em valor de moeda corrente por aquisições de bens e serviços; percentual do valor arrecadado na comercialização do produto da lavra; direito de comercialização do minério associado; e direito de compra do produto da lavra com exportação, após autorização pelo MME entre outras formas definidas em contrato por mútuo consentimento das partes.


O aproveitamento econômico do bem mineral nuclear, se de forma associada, poderá ocorrer, ainda, de acordo com a especificidade, quantidade e valor econômico superior ao valor da substância mineral. O arranjo comercial, neste caso, pode ocorrer por meio de associação entre a INB e o minerador, condicionada a transferência, pela Agência Nacional de Mineração - ANM, do direito minerário do titular em favor da INB, mediante indenização prévia.


Na hipótese de transferência (cessão parcial ou total) do direito minerário para a INB, esta considerará o estudo de viabilidade técnica e econômica para a definição de um prêmio pela descoberta e o reembolso das despesas efetivamente realizadas e ainda não amortizadas, atualizadas monetariamente.


Nos casos de indicação de ocorrência de bem mineral nuclear em quantidade de valor econômico inferior ao valor da substância mineral pesquisada ou lavrada, desde que comprovados nos estudos de economicidade, autorização para pesquisa ou a concessão de lavra será mantida.


Nesse caso, se o aproveitamento do elemento nuclear de interesse for considerado viável técnica e economicamente, as partes estabelecerão a forma de disponibilização ou entrega à INB do elemento nuclear contido no minério extraído, na forma prevista em regulamento.


Há ainda a hipótese em que o aproveitamento do elemento nuclear for considerado antieconômico. Neste caso, o titular da concessão de lavra dará a destinação e a disposição final ambientalmente adequadas aos rejeitos, na forma prevista na legislação. Neste aspecto, cumpre-nos registrar que eventuais licenças ou autorizações serão exigidas por outros órgãos ou entidades ambientais de controle, bem como das medidas de mitigação e controle para a disposição adequada e segura do rejeito.


Sem dúvida nenhuma a edição da MP nº 1.133/2022 representa um avanço no marco regulatório para o aproveitamento dos bens minerais nucleares, em especial levando-se em conta a posição de destaque do Brasil no cenário mundial. Entretanto, nos parece que as vantagens que o setor esperava receber com tais medidas não serão alcançadas.


Dados da Word Nuclear Association (2019)[2] revelam que as reservas de urânio até então conhecidas por país em toneladas colocam o Brasil na 7ª posição mundial, com um total de 5% das reservas identificadas, ficando atrás da Austrália com 28%, Cazaquistão com 15%, Canadá com 9%, Rússia com 8%, Namíbia com 7% e África do Sul, também com 5%.


Os dados da INB (2021)[3] confirmam que o Brasil possui recursos conhecidos de urânio da ordem de 244.788 toneladas de urânio contido, isso sem levar em consideração que as áreas pesquisadas no território brasileiro são da ordem de apenas 1/3.


Há que se considerar ainda que a Empresa de Pesquisa Energética/EPE, empresa pública voltada para a condução de pesquisas destinadas ao planejamento das políticas do setor energético brasileiro, no Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional de ano base 2021[4], revela que a participação em relação à oferta interna de energia nuclear ainda é incipiente, da ordem de apenas, de 1,3%.


Assim, a nova MP é muito bem vinda, já que, embora sejam provenientes de fontes não renováveis, os bens minerais nucleares carecem de fato de políticas públicas voltadas para atrair e alavancar investimentos privados, além de um marco regulatório ajustado para garantir a segurança jurídica entre as relações de todos os stakeholders.


Contudo, mesmo que seja aprovada na íntegra pelo Congresso, se percebe que desde o seu anúncio não se vislumbra significativa mudança no ingresso de capitais neste segmento. Por essa razão, novas descobertas e aumento das reservas são vistos com certo ceticismo pelo setor.


Em verdade, o que o setor gostaria de receber seria uma Proposta de Emenda Constitucional que abrisse o mercado para que a iniciativa privada tivesse meio de pesquisar e eventualmente lavrar tais minerais, assim como permitem diversos países do mundo, como Cazaquistão, Canadá e Austrália, que através do aproveitamento de seus recursos viram surgir empresas espetaculares, como Kazatomprom (Caz) listada na Bolsa de Londres e avaliada em quase £7 Bilhões e produz quase 20% de todo consumo mundial. Da mesma forma, a Cameco (Ca, Caz) listada na Bolsa de Toronto e avaliada em quase C$ 11 Bilhões e produz quase 10% de todo consumo mundial.


Certamente a medida poderá facilitar o desenvolvimento de jazidas como Caetité e modelos similares, onde algum potencial conhecido permita a INB firmar parcerias, mas de forma alguma a medida deverá atrair capital externo ou mesmo nacional para fomentar as pesquisas de uranio, pois infelizmente a medida não assegura quaisquer prioridades ou direitos em caso de descobertas.


De qualquer forma, apesar de ainda de forma tímida, a publicação da MP posiciona o Brasil rumo à transição da matriz energética brasileira para patamares ainda mais limpos, atendendo a compromissos assumidos para uma estratégia de expansão do setor de energia, através do Plano Nacional de Energia (PNE 2050), que estabeleceu metas sólidas para a expansão da geração de energia elétrica em busca de manter uma matriz energética diversificada, segura, limpa e sustentável.


Com o PNE 2050[5] pretende-se expandir a geração de energia advinda do aproveitamento dos bens minerais nucleares de até 10 GW, o que significa dizer, fornecer energia elétrica para quase 20 milhões de pessoas. Para esta expansão, o Brasil deverá contar com 8 novas usinas até 2050. Este movimento do Governo brasileiro é coerente com a diversificação e dinamismo proposto mundialmente para a expansão da matriz energética. A União Europeia, nesta mesma direção, aprovou[6] a inclusão da energia nuclear como “energia verde”, aumentando o acesso a investimentos para desenvolvimento desta matriz energética.


Por ser a energia nuclear considerada mais limpa, por não produzir gases de efeito estufa (GEE), seu fomento também está atrelado e vem sendo impulsionado pelas soluções de redução do aquecimento global e para a diversificação e segurança da matriz energética, vez que sua geração independe das variações e interferências climáticas, bem como contribui para uma menor dependência de combustíveis fósseis.


Assim, além de estratégico para a economia brasileira, o aproveitamento de bens minerais nucleares se apresenta como um grande desafio para o setor mineral que no cenário atual, sob a perspectiva da sustentabilidade, busca reduzir as emissões de GEE. O uso da energia nuclear, portanto, contribui também para a longevidade da mineração e por isso deve ser efetivamente garantida ao setor privado.


Há que se considerar também os compromissos advindos do acordo de Paris, ratificados pela COP26, no que se refere à redução a zero de emissões de GEE, sendo este um objetivo global e um caminho sem volta, o qual também impulsiona o aproveitamento pelo setor mineral privado para o avanço da mineração nuclear.


Cumpre-nos mencionar ainda que as ações do Governo brasileiro para diversificar a matriz energética, considera também as restrições de avanço da energia hidráulica que comumente encontra resistências de expansão por demandar ocupações de extensas áreas e interferir em diversos ambientes e ecossistemas sensíveis, além de depender de fenômenos da natureza, como índices pluviométricos estáveis sem a intercorrência de períodos de longa estiagem.


Apesar de todos os notórios benefícios, o desafio de uma matriz energética nuclear passa por algumas dificuldades a serem superadas, tais como o arcabouço regulatório que necessita de ajustes legais, o gerenciamento adequado dos resíduos radioativos, a retomada da pesquisa mineral dos bens minerais nucleares e a edição de Lei que discipline a responsabilidade civil por danos nucleares.


Vale salientar também, que um dos maiores desafios do setor mineral para a mineração de bens minerais nucleares é sem dúvida alguma a obtenção da aprovação social, a conhecida licença social para operar. Para tanto, há muito o que se fazer. Aferição da exequibilidade econômica, segurança das instalações, gestão de resíduos, passivos ambientais, políticas de descomissionamento, dentre outros são desafios para tornar a atividade minerária nuclear mais limpa e segura sob a perspectiva da sustentabilidade.


Neste cenário, não são poucas as manifestações no sentido de que a mineração e beneficiamento de bens minerais nucleares oferece riscos de vazamentos, contaminação, fomento à indústria bélica e riscos sistêmicos. Vulnerabilidades como as que temos visto a partir da ocupação da maior usina nuclear da Europa (Zaporizhzhia) na Ucrânia, sob ocupação russa desde o início de março de 2022, bem como a catástrofe de Fukuschima ocorrida em 2011 no Japão, quando um terremoto atingiu a usina nuclear, seguida de uma Tsunami, gerando um sério vazamento de material radioativo com perdas, sequelas humanas e ambientais gravíssimas, pesam em desfavor do desenvolvimento da indústria nuclear.


A MP 1.133 entrou em vigor no dia de sua publicação e seu texto precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para se tornar lei. Entretanto, para nós, a MP pode dar relativa autonomia à INB, mas não acreditamos que significativas mudanças deverão surgir de modo a permitir ao País explorar de forma competitiva e plena seu potencial de urânio, potencial este que apesar de fartamente mencionado na literatura, e diferente da maioria dos países listados, não estaria classificado como reservas nos padrões internacionais do CRIRSCO.



Este artigo é de autoria de Luis Azevedo e Frederico Torquato, respectivamente sócio e advogado sênior da FFA LEGAL, escritório especializado no atendimento a empresas do ramo de mineração e direcionado a seus clientes e parceiros.


Referências.


(1)Empresa de Pesquisa Energética (BR). Balanço Energético Nacional 2017: relatório síntese [Internet]. Rio de Janeiro: A Empresa; 2021. Disponível em: https://bit.ly/3dVyiie.

(3)ASPECTOS TÉCNICOS, ECONÔMICOS E SOCIAIS DO USO PACÍFICO DA ENERGIA NUCLEAR, Pedro Carajilescov, João Manoel Losada Moreira

https://www.nsenergybusiness.com/news/top-uranium-producing-companies/#


[1] (CF 1988, Art. 21, XXIII) – Compete a União: XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições [2] https://www.world-nuclear.org/information-library/nuclear-fuel-cycle/uranium-resources/supply-of-uranium.aspx [3] http://www.inb.gov.br/Nossas-Atividades/Ur%C3%A2nio/Recursos [4]https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-ben. [5]http://antigo.mme.gov.br/web/guest/secretarias/planejamento-e-desenvolvimento-energetico/publicacoes/plano-nacional-de-energia-2050 [6] https://www.poder360.com.br/internacional/ue-define-gas-natural-e-energia-nuclear-como-fontes-renovaveis/

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