A Portaria MME nº 120/2025 e o Desafio da Verticalização Mineral no Brasil: Avanços, Limites e Riscos Estruturais
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A Portaria Normativa MME nº 120, publicada em 14 de novembro de 2025, estabelece critérios para o enquadramento de projetos minerais como elegíveis à emissão de debêntures incentivadas, com benefícios fiscais, nos termos da Lei nº 12.431/2011 e da Lei nº 14.801/2024, voltadas à infraestrutura e à transição energética.
O texto é direcionado a projetos que produzam em território nacional bens transformados de alto valor agregado derivados de minerais estratégicos: lítio, níquel, cobre, cobalto e elementos de terras raras.
Vale dizer que os minerais estratégicos listados pela Portaria MME 120 é reduzida se comparada à lista de minerais definidos como estratégicos pela Resolução nº 2, de 18 de junho de 2021, do Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME assim como lista de minerais constantes em outros países, que tal como Brasil, buscam um redução de carbono na sua matriz de mobilidade.
Embora represente um passo importante na formulação de uma política pública voltada à agregação de valor, a Portaria precisa ser analisada com cautela. Ao atrelar o incentivo fiscal à verticalização industrial, sem enfrentar os entraves estruturais que historicamente dificultam a implantação de plantas de transformação mineral no Brasil, nem tampouco entender a tendencia da realidade mundial e a dinâmica operacional da verticalização e suas particularidades, a norma corre o risco de se tornar uma política com baixo impacto prático ou, pior, de gerar incentivos econômicos mal calibrados que transferem riscos desproporcionais aos investidores.
A Portaria estabelece que apenas projetos que resultem na produção de materiais de grau bateria (como carbonato e hidróxido de lítio, sulfato de níquel e cobalto, folha de cobre) ou grau pureza (óxidos, cloretos e ligas de terras raras) podem acessar debêntures incentivadas. Também não ficou claro como se aplica a Portaria no caso de projetos polimetalicos, onde os minerais listados estão associados a outros não listados.
Assim, a lavra não é objeto direto do incentivo; ela só pode ser beneficiada até o limite de 49% dos recursos captados, e apenas se vinculada de forma indissociável ao projeto de transformação mineral.
Em tese, a Portaria visa: (i) desencorajar a exportação de concentrados; (ii) estimular a industrialização nacional em segmentos estratégicos e (iii) inserir o Brasil nas cadeias de fornecimento globais da transição energética.
A lógica normativa é coerente no plano conceitual, mas o problema é que ela parte de um pressuposto que, na realidade brasileira, raramente se confirma: a ideia de que verticalizar é apenas uma decisão de investimento, e não um desafio estrutural que envolve gargalos tecnológicos, logísticos, tributários e financeiros em escala mundial precisa ser internalizado de fato.
Tomemos como exemplo a verticalização do cobre: um smelter moderno, unidade industrial responsável pela fundição e refinamento de concentrado, demanda: (i) investimentos bilionários em CAPEX; (ii) fornecimento contínuo e estável de concentrado em grandes volumes; (iii) contratos de longo prazo com múltiplas minas; (iv) infraestrutura logística e energética robusta; (v) conformidade com padrões ambientais altamente sofisticados, (vi) localização geográfica, (vii) percentual de utilização da planta e depreciação e (viii) know-how tecnológico que poucos países dominam principalmente diante da capacidade de se tratar as impurezas.
Segundo o Directory of Mines, Smelters and Refineries do International Copper Study Group (ICSG), há capacidade instalada ou planejada para aproximadamente 140 fundições de cobre no mundo, com a China concentrando aproximadamente metade da capacidade global de fundição.¹ ² ³.
Diversas fontes (ICSG, Wood Mackenzie e análises de mercado recentes) indicam que a China responde por mais de 50% da capacidade global de fundição/refino de cobre, tendo concentrado a maior parte da expansão de capacidade nas últimas décadas.
Conforme apontado pelos Relatórios de mercado (Fastmarkets, Benchmark MI) e agências de notícias (Reuters) em 2024 e 2025, os TC/RCs de concentrado de cobre chegaram a patamares negativos, com índices em torno de –US$ 4/t em 2024 e cerca de –US$ 45/t em 2025 em determinadas referências asiáticas, o que significa smelters pagando para garantir acesso a concentrado em razão de patamares historicamente baixos inclusive ficando negativos em determinados períodos pois smelters competiam ferozmente entre si para garantir suprimento.⁴ ⁵.
Neste cenário em que a capacidade global de fundição cresce mais rápido do que a oferta de concentrado e as fundições começam a competir para garantir o abastecimento de sua demanda e podemos afirmar que não faltam smelters no mundo. O que falta é concentrado. Isto significa dizer que construir um smelter no Brasil é competir contra plantas plenamente amortizadas, integradas a clusters industriais, subsidiadas direta ou indiretamente, e com acesso preferencial a minas de grande escala.
Em 2021, segundo dados do UN Comtrade/WITS, o Brasil exportou cerca de US$ 3,37 bilhões em minérios e concentrados de cobre em um volume de aproximadamente 1,185 milhão de toneladas. Em 2023, as exportações de ‘Copper Ore’ alcançaram cerca de US$ 3,55 bilhões, reforçando o papel do país como exportador de concentrado de cobre destinados principalmente a refinadores no exterior.⁶ ⁷. O mesmo ocorre com outros minerais estratégicos, ou seja: O país faz a parte mais intensiva em risco (lavra e beneficiamento primário), enquanto o valor agregado industrial permanece concentrado no exterior.
Uma planta de transformação mineral (fundição e refino) depende de suprimento contínuo e de larga escala. Logo, a equação que precisa ser resolvida e são dilemas centrais são: (i) Como garantir que uma planta brasileira receba concentrado suficiente, de forma estável, para operar em regime de performance adequada? (ii) Como competir com smelters internacionais que oferecem contratos longos, logística integrada e condições comerciais agressivas? (iii) Como evitar a subutilização crônica de ativos industriais bilionários instalados no país?
Esses questionamentos aliados a dependência de suprimento geram incerteza para investidores e inviabiliza plantas isoladas. Há que se considerar ainda que diversos depósitos brasileiros de cobre por exemplo, apresentam contaminantes que necessitam de adaptações do smelter para a produção de cobre refinado.
A Portaria não enfrenta os fatores que historicamente inviabilizam complexos industriais de transformação mineral no país. A consequência é que verticalizar no Brasil não depende apenas de vontade política ou de benefício fiscal depende de condições estruturais e compreensão da realidade operacional dos smelters no mundo, o que a Portaria não aborda.
Ao atrelar o benefício fiscal que deve ser entendido como subsídio e não incentivo à verticalização, sem criar condições materiais para que ela ocorra, pode gerar um cenário arriscado: (i) Empresas estruturam SPEs e projetos “full chain” para se enquadrar na norma, (ii) Captam debêntures incentivadas com forte apelo de “minerais críticos” e “transição energética”, (iii) Enfrentam dificuldades para implantar a etapa industrial (custo, tecnologia, licenciamento, mercado), (iv) A planta de transformação é adiada ou redimensionada, (vi) O projeto entra em ciclos de rolagem de dívida para manter operações e (vii) risco real do fracasso industrial acaba sendo transferido ao investidor pessoa física, atraído pelo incentivo fiscal.
Daí a necessidade de discutir modelos cooperativos, como: (I) acordos interempresariais; (ii) acordos intergovernamentais regionais para integração produtiva; (iii) Consórcios de suprimento entre mineradoras e (iv) Plantas compartilhadas entre múltiplos projetos;
Inevitável que o debate avance também para soluções sistêmicas que envolvam governo, setor privado e investidores para garantir incentivos estruturantes, tais como: (i) Políticas industriais de longo prazo; (ii) Energia competitiva para projetos estratégicos; (iii) Regimes tributários claros e estáveis; (iv) Fast-track regulatório para projetos críticos, sem reduzir exigências ambientais (vi) Incentivos graduais por etapas da cadeia; (vi) Exigência de validação técnica por Qualified Person da rota industrial e (vii)Regras específicas de transparência para debêntures do setor mineral crítico.
Há que se considerar ainda a tendência mundial rumo à utilização de fornos com capacidade cada vez maior, resultado direto da busca por processos mais eficientes, maior produtividade e redução dos custos por tonelada processada. Outra tendencia é a redução das operações de fundição vinculadas diretamente às minas. O mercado global tem optado por separar as atividades minerárias das metalúrgicas, criando estruturas independentes. Essa escolha estratégica permite maior autonomia comercial, facilita a adoção de tecnologias especializadas e melhora o posicionamento logístico das fundições no contexto internacional.
Diante desta realidade a Portaria MME nº 120/2025 sinaliza a intenção correta ao vincular incentivos fiscais à agregação de valor em minerais estratégicos para a transição energética. No entanto, ao fazê-lo sem enfrentar os gargalos estruturais da verticalização mineral no Brasil e sem uma coordenação entre governo, empresas, investidores e cadeias regionais, corre o risco de se tornar uma política normativamente elegante, mas economicamente limitada.
Sem essa articulação, a Portaria pode não resolver o problema central e a transformação mineral brasileira continuará ocorrendo majoritariamente fora do país.
Referências:
ICSG – International Copper Study Group. Relatórios anuais sobre capacidade global de smelting (2023–2024).
Wood Mackenzie – Global Smelter Database (2024).
USGS – United States Geological Survey. Mineral Commodity Summaries: Copper (2024).
Fastmarkets – Relatórios sobre TC/RCs de cobre e mercado global de fundição (2024–2025).
Reuters – Coberturas sobre TC/RCs negativos e supercapacidade de smelting na China (2024).
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Dados de exportações brasileiras de minérios e concentrados de cobre (2021–2024).
Observatory of Economic Complexity (OEC). Perfil das exportações brasileiras de Copper Ore e Copper Concentrates (2023–2024).
Diário Oficial da União – Portaria MME nº 120/2025. Ministério de Minas e Energia.

