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O Tema 1046 e a confirmação pelo STF da prevalência do negociado sobre o legislado


RESUMO

A partir do Tema 1046, o Supremo Tribunal Federal ratificou o prestígio concedido pela Constituição Federal Brasileira de 1988 às negociações formalizadas através das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, possibilitando a inclusão, como objeto da negociação entre empresários e sindicatos profissionais, de direitos trabalhistas disponíveis, ainda que sem a concessão de vantagens compensatórias.


O presente artigo discorrerá sobre o posicionamento adotado pelos julgadores após a fixação da referida tese com repercussão geral, já passível de observação a partir das decisões proferidas pelos tribunais regionais do trabalho.

Palavras-Chave: direitos; acordos; negociação; trabalho.


ABSTRACT

From Theme 1046, the Federal Supreme Court ratified the prestige granted by the Brazilian Federal Constitution of 1988 to negotiations formalized through Conventions and Collective Bargaining Agreements, enabling the inclusion, as an object of negotiation between businessmen and professional unions, of available labor rights, even without the granting of compensatory advantages.
This article will discuss the position adopted by the judges after the establishment of that thesis with general repercussion, already subject to observation from the decisions handed down by the regional labor courts.
Key words: rights; agreements; negotiation; job.



Em 02/06/2022 o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1121633, a partir do qual fixou, por maioria de votos, a tese de que "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". A tese referenda a condição de prevalência do negociado sobre o legislado, já prevista no ordenamento jurídico com o advento da reforma trabalhista.


Tratava-se de recurso interposto por empresa atuante no segmento de mineração no estado de Goiás contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho que havia afastado a aplicabilidade de norma coletiva de trabalho pactuada junto a sindicato profissional e que previa o não pagamento de horas in itinere.


Diante do reconhecimento pela Suprema Corte da constitucionalidade da matéria objeto do recurso e da existência de Repercussão Geral (Tema 1046) em razão da alegada violação ao art. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI da CF/88, os processos individuais ou coletivos que estavam pendentes de apreciação e que versavam sobre a questão permaneceram sobrestados por quase 3 (três) anos, nos termos do art. 1035, 5º, do CPC.


Cabe destacar que, em função do estabelecido pela redação atribuída ao Enunciado do Tema 1046, foram também impactados não só os casos que tratavam exclusivamente a horas de deslocamento, mas também os que contemplavam outras discussões acerca da possibilidade de limitação ou restrição de direitos trabalhistas não assegurados constitucionalmente por meio de negociações coletivas de trabalho, bem como da inaplicabilidade do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas ao direito coletivo do trabalho.


Assim, igualmente encontraram óbice ao prosseguimento o julgamento de diversas reclamações trabalhistas, em tramitação tanto em primeiro grau como em fase recursal, nas quais questionava-se a aplicabilidade de cláusulas de Convenções e/ou Acordos Coletivos de Trabalho, instituídas, por exemplo, para possibilitar a compensação de jornadas de trabalho ou a redução da duração das horas intervalares, conforme o que já autorizava a legislação trabalhista vigente.


É bem verdade que, com fulcro nos princípios que objetivam a razoável duração do processo e a primazia da apreciação do mérito da demanda, os juízes de primeira instância e os tribunais regionais do trabalho asseguraram a continuidade das ações para a análise das matérias não relacionadas ao tema de repercussão geral. No entanto, significativo número de novas reclamações trabalhistas também foi autuado exclusivamente para sobrestamento, por força da decisão proferida pelo STF, o que aumentou ainda mais o volume de processos em tramitação e pendentes de julgamento pela Justiça do Trabalho. Observou-se, com isso, um aumento proporcional da insegurança jurídica em relação às operações já realizadas sob as condições normativas objeto da julgamento em questão.


Todavia, com a conclusão do julgamento do Tema 1046 e a publicação da respectiva ata em 14/06/2022, a análise das demandas sobrestadas foi retomada, já sendo possível identificar os efeitos práticos da tese fixada pela Suprema Corte nos julgamentos proferidos pelos diversos Tribunais Regionais do Trabalho, conforme exemplificamos a seguir:


REJULGAMENTO. HORAS EXTRAS. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. APLICAÇÃO DO TEMA 1046. A existência de norma coletiva prevendo a realização de jornada em turnos ininterruptos de revezamento de 8 (oito) horas diárias, com o pagamento das horas extras, além da sétima, com adicionais, não revela o desvirtuamento do pactuado entre as partes, pois a 7ª (sétima) e a 8ª horas, requeridas pelo autor, encontram-se pagas, conforme previsão em norma coletiva, incidindo, in casu, a tese do Tema 1046 do STF. Recurso improvido.


(TRT-8 - ROT: 00000995220225080130 PA 0010971-49.2018.5.03.0149, Relator: Ida Selene Duarte Sirotheu, Data de Julgamento: 20/09/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 23/09/2022.)


TEMA 1046 - VALIDADE DE NORMA COLETIVA DO TRABALHO QUE LIMITA OU RESTRINGE DIREITO TRABALHISTA NÃO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO. O Excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do leading case ARE 1121633, por maioria, apreciando o Tema 1046 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator Gilmar Mendes, fixando-se, por unanimidade, a seguinte tese: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". É válida, portanto, a negociação coletiva que fixou os turnos de revezamento superiores a 8 horas, mediante compensação, porquanto não há como negar validade à norma coletiva que transaciona o direito às horas extras, em face da flexibilização admitida pelo art. 7º, inciso XXVI, da Constituição da Republica, reconhecendo a validade das convenções ou acordos coletivos de trabalho, indo ao encontro do Tema 1046 do e. STF, que possui efeito vinculante e erga omnes.


(TRT-3 - ROT: 00109714920185030149 MG 0010971-49.2018.5.03.0149, Relator: Manoel Barbosa da Silva, Data de Julgamento: 24/08/2022, Quinta Turma, Data de Publicação: 24/08/2022.)


JORNADA DE TRABALHO CONVENCIONADA. TEMA 1046 DE REPERCUSSÃO GERAL. VALIDADE. Em face do decidido pelo STF no ARE 1.121.633, Tema 1046, de Repercussão Geral, e em respeito ao estabelecido nos Acordos Coletivos de Trabalho e na apreciação probatória, é de se considerar válida a jornada de trabalho convencionada e reformar a sentença para indeferir e excluir da condenação o pagamento das horas extras e reflexos.


(TRT-20 00002122420175200008, Relator: MARIA DAS GRACAS MONTEIRO MELO, Data de Publicação: 09/09/2022)


Apesar de a Tese em comento ter tão somente ratificado o que já havia sido consolidado pela reforma trabalhista de novembro/2017, que introduziu no artigo 611-A da CLT a faculdade de negociação entre os sindicatos profissionais e as empresas sobre limitações de direitos trabalhistas disponíveis através de acordos e convenções coletivas, as decisões recentes vem mostrando um claro posicionamento dos julgadores no sentido de, efetivamente, privilegiarem tais instrumentos normativos, conferindo às negociações a necessária segurança jurídica.


Cabe, porém, ressaltar que concomitante à análise dos dispositivos legais vigentes e os transacionados, prevalece em todos casos a apreciação do conjunto probatório acostado aos autos e que, por evidente, comprova o efetivo cumprimento das condições pactuadas entre as partes, sendo, inclusive, capaz de demonstrar a sua inaplicabilidade.


Nesse sentido, destaca-se o posicionamento adotado pelo STF, também em junho/2022, no julgamento da ADPF 381, mantendo as decisões proferidas pela justiça trabalhista que haviam invalidado cláusulas de acordos coletivos sobre jornada de trabalho de motoristas de transportadoras, anteriores à Lei 12.619/2012, por considerarem, após o exame de situações concretas e em casos específicos, que a jornada de tais profissionais seria compatível com o controle de frequência.


Por fim, impõe-se destacar que o reconhecimento da prevalência do negociado sobre o legislado não representa, por si só, ameaça direta às garantias constitucionais já conquistadas pelos trabalhadores. Até porque, a tese fixada pelo Tema 1046 é clara ao dispor que os pactos firmados através de normas coletivas de trabalho devem respeitar os direitos absolutamente indisponíveis.


Ao contrário, nos parece que o reconhecimento da importância de tais instrumentos para a regulação das relações entre empresários e trabalhadores representa a criação de oportunidades concretas de negociação de benefícios mais atrativos e condições de trabalho diferenciadas para todas as categorias e, consequentemente, melhores condições sociais para os trabalhadores.


Este artigo é de autoria de Regina Matoso Carneiro, advogada do contencioso da FFA Legal Ltda e é direcionado aos seus clientes e parceiros.




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